São Paulo, Quarta-feira, 27 de Outubro de 1999
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Covas culpa sociedade, mas admite ser maior responsável


OTÁVIO CABRAL
da Reportagem Local

O governador Mário Covas (PSDB) admitiu ontem ser o maior responsável pelas constantes rebeliões e fugas na Febem. Mas também culpou a Justiça, os funcionários da entidade e toda a sociedade, que tem preconceitos em relação ao menor infrator.
"A maior responsabilidade é a minha, que sou o governador do Estado. Mas todos nós, toda a sociedade, temos responsabilidades", afirmou o governador em entrevista no Palácio dos Bandeirantes, na tarde de ontem.
Na entrevista, Covas declarou que não pretende indenizar as famílias dos quatro menores assassinados durante a rebelião, pois considera que eles não foram mortos pelo Estado, mas por internos rivais. Disse que só paga se a Justiça determinar.
Covas prometeu ainda demitir todos os funcionários da Febem que fizerem greve, porque considera que eles estão agindo contra os interesses do Estado. "Hoje, não sei se posso confiar nos funcionários da Febem."
O governador não acredita em solução de curto prazo para a Febem, mas pensa em alguns paliativos para acalmar a situação, como o deslocamento de carcereiros da Secretaria da Administração Penitenciária para cuidar de jovens infratores. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

INDENIZAÇÃO -
"Não consta que o Estado tenha matado esses meninos. Quando matam dois presos em uma penitenciária, a responsabilidade é do Estado? Quando um cidadão atropela outro na rua, a responsabilidade é do Estado? Afinal, estão andando na rua e a rua é do Estado. Por isso, não pretendo indenizar. Vamos ver, se a Justiça determinar que o Estado pague, vamos ter que pagar. Senão, não."

RESPONSABILIDADES -
"Não é só a Justiça e o Estado que têm responsabilidades pela situação da Febem, a sociedade inteira tem responsabilidade. A maior é a minha, que sou o governador do Estado. Mas todos nós temos responsabilidades. Ou vocês acham que, com as crianças sofrendo o que sofrem, ninguém tem responsabilidade?
É um grande problema social. Colocar em quatro paredes não vai ser solução para um problema social tão profundo.
Mas eu quero saber se vocês conhecem alguém que empregou uma criança da Febem depois que ela saiu de lá. Ou se vocês conhecem alguém que saiu da penitenciária e arrumou emprego depois que pagou sua dívida com a sociedade? Imagina, nenhum de nós pensaria numa coisa dessas. Como é que eu vou botar uma criança para trabalhar na minha casa se ela já roubou alguém?
Mas a sociedade, não estou falando de ninguém em particular, estou me incluindo, olha isso com profundo preconceito. A decisão de não levar as unidades da Febem para o interior não é tomada pelo prefeito, é porque a população não quer. Todos nós gostamos de não ver essas coisas de perto, não assistindo, a gente não é tocado por isso, por isso todos temos responsabilidade."

FUNCIONÁRIOS -
"Os funcionários não fizeram nada mais que a obrigação em suspender a greve. Com uma encrenca desse tipo, só falta agora funcionário querer fazer greve. Funcionários que ganham hora extra pela qual não trabalham, funcionários que trabalham com um ordenado médio de R$ 1.600 não têm direito de fazer greve. É dos melhores salários que há dentro do Estado.
Se eles mudarem de idéia e fizerem greve, vão para a rua. Os que não compareceram ontem, menos aqueles que foram jogados do muro, vão para a rua. Quem não compareceu porque se disse em greve vai para a rua mesmo, nem que tenham que ir todos.
Os funcionários também são responsáveis por essa situação. Não é admissível, por mais incompetente que seja o governo, que mais de mil menores fujam em uma semana."

CURTO PRAZO -
"Não tem esquema imediato, não há nada que você possa fazer do dia para a noite, de hoje para amanhã.
Tudo aquilo que combate essa situação já estava sendo feito, só que a gente precisa de um tempo para fazer. Você não constrói um abrigo temporário em menos de quatro meses. Mesmo assim, correndo o risco de construir sem fazer concorrência, porque a situação exige. Vamos manter a segurança das unidades da mesma maneira, isso se sobrar monitor para trabalhar, se todos não forem demitidos. Não dá para mudar, porque não dá para colocar a polícia dentro das unidades, a PM só pode ficar do lado de fora. Para a polícia entrar, só se for desarmada. E se um policial fosse jogado lá de cima como foram os monitores? O que o resto da polícia faria, ficaria calada assistindo? Então essas coisas têm de ser tratadas com um certo cuidado.
Estamos estudando N medidas. Uma delas é arrumar um grupo de carceragem mais habilitado, como os da Secretaria da Administração Penitenciária.
Mas não sei dizer quanto tempo demora para tirar a Febem das manchetes. Isso não é uma coisa que você possa fixar data."

LONGO PRAZO -
"Para ter a pretensão de resolver a situação, a Febem precisa de unidades menores, com relação diferenciada. A questão pedagógica precisa ser bem tratada para dar trabalho e educação para esses jovens. É preciso descentralizar, fazer unidades que não tenham mais de 60, 80 crianças, dar trabalho para essas crianças. Mas não é um trabalho a curto prazo."

PREJUÍZO POLÍTICO -
"Não há crise para meu governo do ponto de vista político, só do ponto de vista humano. Do ponto de vista político, não me afeta, não tenho nenhuma pretensão política. Eu já cheguei além das minhas expectativas, não sou candidato a nada. Não vão conseguir desestabilizar o meu governo. Mas essa crise me atinge do ponto de vista pessoal, do ponto de vista moral."


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