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URBANIDADE
O assassinato das cerejeiras
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
A cerejeira tem um
significado especial para
os japoneses, simbolizando uma
mescla de fertilidade e felicidade. Reverenciada em bucólicas
cerimônias religiosas, a árvore se
presta como celebração à vida,
mas, em São Paulo, virou tragicamente símbolo de destruição.
Para celebrar a cidade, a comunidade japonesa plantou, no
ano passado, um bosque com
mil cerejeiras em um terreno
abandonado em Pirituba, um
bairro da zona norte marcado
pela violência. Cada muda era
acompanhada, como manda o
ritual, com o nome de uma pessoa viva. O bosque seria a primeira ação para transformar
aquele terreno de 300 mil metros
quadrados em um parque.
Um grupo de jovens sentiu-se
desrespeitado pelas cerejeiras
-por não ter sido consultado
pela prefeitura. O resultado da
"ofensa" foi revelado neste mês:
o bosque foi inteiramente destruído, todas as árvores arrancadas. "Foi um choque", lamenta
Simone Malandrino, diretora do
Departamento de Parques e
Áreas Verdes (Depave) da prefeitura. Em uma das mudas estava o nome dela. "Senti um
pouco como se também tivessem
me atacado."
O atentado serviu, portanto,
para que a Prefeitura de São
Paulo entendesse o código local,
percebendo o jogo de poder. Vários grupos de jovens se sentem
donos do terreno, a tal ponto
que, com os previsíveis argumentos, nunca deixaram ele ser
invadido por moradores de rua.
Podem brigar pelo bairro, mas
eles defendem a área comum na
qual jogam bola.
Os grupos decidiram preservar
o terreno para que fosse construído, no futuro, um campo de
futebol. E com arquibancada.
Durante as negociações com o
poder público, uma das facções,
no entanto, não foi consultada
sobre as cerejeiras e, para não
demonstrar fraqueza, acabou
com o bosque.
Captada a mensagem, a diretora do Depave voltou a fazer
uma rodada de negociações para costurar o pacto das cerejeiras. Comprometeu-se a construir
a arquibancada. Todos, então,
concordaram. Até o final deste
ano, o parque Pinheirinho D'Água -um oásis verde- deve ser
inaugurado em Pirituba. E com
o bosque, a ser reverenciado em
festas periódicas pela comunidade japonesa. Pelo jeito, o simbolismo das cerejeiras surtiu efeito:
venceu a fertilidade.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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