São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2001

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SEGURANÇA

Batizados de "calças-curtas", eles não foram aprovados em concurso nem passaram por treinamento na Polícia Civil

País tem 1.200 delegados irregulares

JAIRO MARQUES
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

Dos 14.700 delegados de polícia do Brasil, 1.200 (8%) estão em situação irregular -os chamados "calças-curtas". Contrariando a Constituição, não são bacharéis em direito, não foram aprovados em concurso público nem passaram por 90 dias de treinamento em academias da Polícia Civil.
Os Estados onde existem "calças-curtas" são Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Paraná, Piauí, Sergipe e Tocantins, segundo a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil.
A entidade informa que os piores quadros estão no Paraná e em Tocantins. No Paraná, com 177 "calças-curtas", não há perspectivas de correção. Em Tocantins, ocorre "uma aberração inconstitucional", segundo a associação.
O procurador-geral de Justiça do Paraná, Marco Antonio Teixeira, afirma que os "remendos" feitos na polícia dificultam o trabalho do Ministério Público.
"A falta de uma apuração tecnicamente correta do crime e a eventual ausência dos direitos assegurados ao indiciado, exposto a riscos por um inquérito malconduzido, são os piores prejuízos", diz o procurador.
O governo tocantinense, por sua vez, promoveu há dois anos um concurso público para oficiais da Polícia Militar, que foram depois encaminhados às delegacias de todo o Estado com a patente de tenente. Os candidatos às vagas tinham de ser bacharéis em direito.
Além de ignorar o que diz a Constituição e o que recomenda o Ministério da Justiça, o governo do Estado criou também um atrito entre os policiais militares.
O descontentamento partiu de setores mais antigos da PM, que não aceitam bem o fato de recém-formados em direito assumirem cargos que, em seu equivalente na corporação, exigem no mínimo oito anos de estudos.
Nas 178 unidades policiais de Tocantins, apenas 53 abrigam delegados concursados da Polícia Civil. A Secretaria da Segurança Pública do Estado não se pronunciou sobre o assunto.

Consequências

Para o Ministério Público, a existência dos "calças-curtas" no país resulta em impunidade, inquéritos malconduzidos e falhas processuais que podem soltar criminosos ou condenar inocentes.
Não são raros os casos em que os tribunais consideram nulos inquéritos elaborados por delegados inabilitados. A proporção dos irregulares é de um para cada cinco municípios do país.
Em todo o país, não há critérios definidos para a escolha dos "calças-curtas". Há apadrinhamento político por parte de prefeitos e deputados, mas há também pessoas com liderança comunitária em cidades pequenas. Os PMs são a maioria, geralmente sargentos, cabos e tenentes.
"Eles (os PMs) estão acostumados a apurar roubos de galinha e de roupas do varal. São incapazes de dar soluções a casos mais graves. Quem perde com isso é o cidadão de bem", afirma o presidente da associação dos delegados, Jair Cesário da Silva.
No Piauí, onde hoje atuam 180 "calças-curtas", o delegado-geral da Polícia Civil tinha apenas o primeiro grau completo até ser exonerado, no ano passado.
"Não concordo que os irregulares sejam incapacitados. Eles não estão dentro da lei, mas posso garantir que possuem nível intelectual à altura de exercer a função", diz o secretário da Segurança do Piauí, Carlos Alberto de Melo Lôbo.
Ele atribui à falta de recursos financeiros a permanência de delegados inabilitados no Piauí.

Ações no STF
Em todos os Estados em que os "calças-curtas" estão atuando, as associações de delegados ou as representações da OAB já encaminharam ao STF (Supremo Tribunal de Federal) ações diretas de inconstitucionalidade para obrigar os governos a promover concursos públicos.
Também tramita no Congresso Nacional uma lei orgânica, de autoria do Ministério da Justiça, que explicita e detalha o artigo da Constituição que regulamenta a contratação dos delegados.
A Bahia é atualmente o local onde está concentrado o maior número de "calças-curtas": 280. Mas o Estado já fez um concurso público e vai regulamentar a situação até o final do ano.


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