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SEGURANÇA
Batizados de "calças-curtas", eles não foram aprovados em concurso nem passaram por treinamento na Polícia Civil
País tem 1.200 delegados irregulares
JAIRO MARQUES
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
Dos 14.700 delegados de polícia
do Brasil, 1.200 (8%) estão em situação irregular -os chamados
"calças-curtas". Contrariando a
Constituição, não são bacharéis
em direito, não foram aprovados
em concurso público nem passaram por 90 dias de treinamento
em academias da Polícia Civil.
Os Estados onde existem "calças-curtas" são Acre, Amazonas,
Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba,
Paraná, Piauí, Sergipe e Tocantins, segundo a Associação dos
Delegados de Polícia do Brasil.
A entidade informa que os piores quadros estão no Paraná e em
Tocantins. No Paraná, com 177
"calças-curtas", não há perspectivas de correção. Em Tocantins,
ocorre "uma aberração inconstitucional", segundo a associação.
O procurador-geral de Justiça
do Paraná, Marco Antonio Teixeira, afirma que os "remendos"
feitos na polícia dificultam o trabalho do Ministério Público.
"A falta de uma apuração tecnicamente correta do crime e a
eventual ausência dos direitos assegurados ao indiciado, exposto a
riscos por um inquérito malconduzido, são os piores prejuízos",
diz o procurador.
O governo tocantinense, por
sua vez, promoveu há dois anos
um concurso público para oficiais
da Polícia Militar, que foram depois encaminhados às delegacias
de todo o Estado com a patente de
tenente. Os candidatos às vagas tinham de ser bacharéis em direito.
Além de ignorar o que diz a
Constituição e o que recomenda o
Ministério da Justiça, o governo
do Estado criou também um atrito entre os policiais militares.
O descontentamento partiu de
setores mais antigos da PM, que
não aceitam bem o fato de recém-formados em direito assumirem
cargos que, em seu equivalente na
corporação, exigem no mínimo
oito anos de estudos.
Nas 178 unidades policiais de
Tocantins, apenas 53 abrigam delegados concursados da Polícia
Civil. A Secretaria da Segurança
Pública do Estado não se pronunciou sobre o assunto.
Consequências
Para o Ministério Público, a
existência dos "calças-curtas" no
país resulta em impunidade, inquéritos malconduzidos e falhas
processuais que podem soltar criminosos ou condenar inocentes.
Não são raros os casos em que
os tribunais consideram nulos inquéritos elaborados por delegados inabilitados. A proporção dos
irregulares é de um para cada cinco municípios do país.
Em todo o país, não há critérios
definidos para a escolha dos "calças-curtas". Há apadrinhamento
político por parte de prefeitos e
deputados, mas há também pessoas com liderança comunitária
em cidades pequenas. Os PMs são
a maioria, geralmente sargentos,
cabos e tenentes.
"Eles (os PMs) estão acostumados a apurar roubos de galinha e
de roupas do varal. São incapazes
de dar soluções a casos mais graves. Quem perde com isso é o cidadão de bem", afirma o presidente da associação dos delegados, Jair Cesário da Silva.
No Piauí, onde hoje atuam 180
"calças-curtas", o delegado-geral
da Polícia Civil tinha apenas o primeiro grau completo até ser exonerado, no ano passado.
"Não concordo que os irregulares sejam incapacitados. Eles não
estão dentro da lei, mas posso garantir que possuem nível intelectual à altura de exercer a função",
diz o secretário da Segurança do
Piauí, Carlos Alberto de Melo Lôbo.
Ele atribui à falta de recursos financeiros a permanência de delegados inabilitados no Piauí.
Ações no STF
Em todos os Estados em que os
"calças-curtas" estão atuando, as
associações de delegados ou as representações da OAB já encaminharam ao STF (Supremo Tribunal de Federal) ações diretas de
inconstitucionalidade para obrigar os governos a promover concursos públicos.
Também tramita no Congresso
Nacional uma lei orgânica, de autoria do Ministério da Justiça, que
explicita e detalha o artigo da
Constituição que regulamenta a
contratação dos delegados.
A Bahia é atualmente o local onde está concentrado o maior número de "calças-curtas": 280. Mas
o Estado já fez um concurso público e vai regulamentar a situação até o final do ano.
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