São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2001

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SEGURANÇA

Secretário da Administração Penitenciária diz que visitas em presídios devem ser liberadas no próximo fim-de-semana

Burocracia ajuda corrupção, diz Furukawa

CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL

Se tivesse seguido a carreira de médico, como gostaria, Nagashi Furukawa, secretário da Administração Penitenciária do governo do Estado de São Paulo, certamente não estaria vivendo o momento de maior estresse de sua vida. Ele é responsável pelas 74 penitenciárias do Estado, inclusive pela Casa de Detenção, o segundo maior presídio do mundo, depois do da Turquia.
Nesta entrevista, ele confirma a volta das visitas, mostra-se amarrado diante da burocracia que envolve a apuração de corrupção entre funcionários e se dispõe a dialogar com presos que tenham reivindicações justas, jamais com o que vem sendo chamado de "partido do crime".
Ontem à noite, ele negou que hoje seriam feitas novas transferências de presos para Taubaté. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - O retorno das visitas aos presos será no próximo domingo?
Nagashi Furukawa -
Provavelmente no final de semana tudo esteja normalizado, só que ainda vamos examinar local por local. Se houver algum lugar que ainda ofereça perigo, nós não vamos reabri-lo. A Casa de Detenção já está normalizada. O problema maior é a Penitenciária do Estado, onde a ligação de energia elétrica foi totalmente danificada com a rebelião. As celas ainda estão no escuro.

Folha - As regras de visitas foram mudadas?
Furukawa -
Só poderão entrar duas pessoas e a revista será reforçada.

Folha - A corrupção dentro dos presídios não neutraliza esse tipo de decisão?
Furukawa -
A corrupção indiscutivelmente existe. A maioria dos funcionários é constituída por pessoas honestas, mas há uma minoria que se corrompe até porque o meio possibilita essa corrupção. Há um estímulo constante por parte dos presos aos agentes, que ganham em torno de R$ 700 por mês. A dificuldade de coibir a corrupção é que quem corrompe não conta e o que é corrompido muito menos. É uma investigação difícil de ser feita. De 1995 a 2001, 185 agentes foram demitidos e muitos foram afastados.

Folha - Não é um número muito pequeno diante da dimensão do problema?
Furukawa -
Meu poder é limitado. Temos leis que regem a apuração e nós temos que segui-las. A lei exige instalação de uma sindicância. É preciso ouvir as pessoas, chegar à conclusão de que alguém cometeu algum ato ilícito e só depois disso é que se instaura um processo administrativo com direito à defesa; finalmente, se a punição sugerida for demissão do serviço público, cabe ao governador fazer isso; se for uma suspensão ou advertência, aí a competência é minha. Nós temos uma corregedoria do sistema penitenciário pequena, composta de 16 corregedores e eles estão permanentemente investigando, mas obviamente 16 pessoas não vão conseguir investigar 74 penitenciárias. Então, em cada unidade há um grupo de funcionários incumbido de fazer a investigação interna e quando o caso é mais grave fica com o corregedor.

Folha - Esse processo dura quanto tempo?
Furukawa -
Aí é que está. Nós temos na secretaria apenas duas comissões processantes, compostas por três pessoas, e cada uma dessas comissões tem mais de 300, 400 processos em andamento, acumulados. É claro que se dá prioridade para casos graves. Quando isso ocorre, no prazo de um mês, um mês e meio, dá para resolver.

Folha - O que mais se pretende fazer para controlar a corrupção que leva drogas e celulares aos presídios?
Furukawa -
O celular entra por vias mais inusitadas, e temos dificuldades na revista das mulheres, que colocam o aparelho dentro de seus corpos. Não é possível fazer revista ginecológica. Também entra pela porta da corrupção. Estamos investigando os corruptos e vamos abrir um processo de licitação para a compra de equipamento tecnológico que detecte metais, celulares etc., como nos aeroportos. Além disso, as operadoras de telefonia celular disseram que na zona rural há como tirar o sinal do aparelho. Isso atinge 44 penitenciárias.

Folha - A igreja, intelectuais e até o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-coordenador de Segurança do Rio de Janeiro, estão defendendo a negociação do Estado com os detentos. O sr. não considera essa possibilidade?
Furukawa -
O PCC (Primeiro Comando da Capital) está mudando o nome de partido do crime para sindicato porque, já que o governo não quer dialogar com o partido do crime, eles querem se apresentar como uma representação legítima dos presos. Mas não é uma mudança do nome que vai mudar a essência das coisas. Se, em vez de ser um partido que promove a prática do crime, fosse uma organização de dentro das prisões que tivesse por objetivo fazer reivindicações justas, não haveria problema nenhum em relação ao diálogo. O que não podemos é promover o diálogo entre o Estado e pessoas que fazem da prática do crime sua bandeira. Isso é um absurdo, não tem sentido.

Folha - Os presos reclamam da comida e falam, por meio de cartazes, que estão submetidos a um regime de fome depois da rebelião. Até que ponto isso é verdade?
Furukawa -
Todos os dias, antes da rebelião e após a rebelião, a alimentação é fornecida da mesma maneira: café da manhã, almoço e jantar, aquilo que se costuma chamar de quentinha. Os presos acham que isso não é suficiente e reclamam. O Estado, na Casa de Detenção, compra a quentinha fora, porque a cozinha foi interditada já há algum tempo. Os familiares costumam levar frutas, bolacha, iogurte e realmente o Estado não fornece esse tipo de coisa.

Folha - Eles também reclamam seu direito, garantido por lei, de transferência para prisões de regime semi-aberto. Qual o tamanho da fila de espera e por que isso acontece?
Furukawa -
Hoje a fila no Estado inteiro deve estar por volta de 1.500, 1800 presos e é um problema grave porque o governo ainda não tem vagas em número suficiente no regime semi-aberto. Estamos começando a construção agora de 18 alas de progressão, alojamentos que serão construídos ao lado das penitenciárias. Então, se alguém que está no regime fechado conseguir progressão para o regime semi-aberto, enquanto ele aguarda a vaga já sai do regime fechado e fica nesse alojamento separado.

Folha - Entre os coordenadores indicados para avaliar a direção das 74 penitenciárias do Estado, um deles, Carlos Alberto Corade, responsável pelo Vale do Paraíba, enfrenta processos por facilitação de fugas e prevaricação. Não é um mau começo para a coordenadoria?
Furukawa -
Ele não tem processo nenhum, tem alguns inquéritos policiais e sindicâncias em tramitação na corregedoria. Se ele tivesse alguma condenação, não seria cogitado para assumir um cargo como esse. Mas as coisas estão ainda em investigação. Se aparecerem provas, ele pode ser trocado a qualquer instante.

Folha - A prefeita Marta Suplicy é a favor da desativação do Casa de Detenção. Isso vai acontecer?
Furukawa -
No primeiro mandato de Mário Covas houve esse projeto de desativação e o governador construiu 21 novas penitenciárias. Só que nesse período houve um aumento tão grande de presos, muito maior do que qualquer previsão pudesse imaginar, e esse projeto acabou sendo inviabilizado. Quando o governador Covas assumiu em 95, eram 55 mil presos; hoje são 94 mil.

Folha - O sr.acha que a construção de presídios é a solução?
Furukawa -
- Não resolve. É preciso criar mecanismos para que estejam nas penitenciárias aqueles que realmente precisam estar. Também é preciso criar mecanismos para que saiam na mesma quantidade que estão entrando. Por mais gente que se prenda, os crimes continuam crescendo.



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