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PASQUALE CIPRO NETO
Política mosquitária
O s leitores querem saber
se a bendita doença que tem
derrubado milhares de brasileiros
é "a dengue" ou "o dengue". A
dúvida decorre da falta de uniformidade no procedimento dos jornais. Salvo engano, a maioria tem
usado "a dengue", mas há os que
empregam o artigo masculino.
Que dizem nossos dicionários?
O de Caldas Aulete, o "Michaelis
Melhoramentos" e o "Houaiss"
são claros: a palavra é feminina,
quando nomeia a doença.
A última edição do "Aurélio"
("Novo Aurélio Século XXI") dá a
palavra como masculina, para
qualquer de seus significados,
mas as edições anteriores da obra
desmentem a recente. Nelas,
"dengue" aparece como "s.m."
(substantivo masculino), quando
o sentido é de "denguice", "dengo", "faceirice", "requebro", "birra ou choradeira de criança",
"manha" etc., e como feminina,
quando nomeia a doença.
Na última edição, deve ter ocorrido simplesmente um cochilo, de
que resultou o sumiço do "s.f."
antes do sexto significado ("Med.
Doença infecciosa produzida por
vírus, transmitida pelo...").
É bom que se diga que gênero
não se explica, nem tem lógica. É
vã qualquer tentativa de justificar o fato de uma palavra ser
masculina ou feminina. Não custa lembrar que "sangue" e "leite",
por exemplo, são masculinas em
português e em italiano, mas são
femininas em espanhol. Em italiano, "ponte" é masculina. Não é
por acaso que a mais famosa ponte de Florença se chama "Ponte
Vecchio" (e não "Vecchia").
Que ninguém se iluda, portanto, com a idéia de que "dengue" é
feminina porque é doença. Se esse
raciocínio fosse correto, "tíbia" seria masculina, porque é nome de
osso. O gênero se fixa pelo uso, e,
salvo engano, o uso consagrou
"dengue" como termo feminino,
quando nomeia a doença.
Os leitores também querem saber se os locutores erram quando
dizem "aedes", para nomear o
nefando inseto que transmite a
doença. "Aedes" vem do latim
científico, através do grego, e significa "desagradável", "enjoativo", "nauseante". Diz o querido
amigo Odilon Soares Leme, latinista, que a pronúncia romana é
"edes", mas a restaurada é "aedes" mesmo. Não há problema,
pois, na pronúncia "aedes".
Discussões linguísticas à parte,
essa história da dengue tem produzido algumas piadas, a começar pela (maléfica) que envolve o
ex-ministro da Saúde José Serra,
que, de tão cavalheiro, seria incapaz de matar um mosquito.
Também se discute muito o "nível" do mosquito: municipal, estadual ou federal? A pendenga
me trouxe à lembrança "Política
Literária", memorável poema de
Carlos Drummond de Andrade,
publicado em seu primeiro livro
("Alguma Poesia", de 1930) e dedicado a Manuel Bandeira:
"O poeta municipal discute com
o poeta estadual qual deles é capaz de bater o poeta federal. Enquanto isso o poeta federal tira
ouro do nariz".
Quem foi que disse que a arte
imita a vida? É o contrário, meus
caros. Está lá, em Drummond, há
72 anos. A diferença é que, no caso da dengue, não se sabe se alguém está tirando ouro do nariz.
Sangue, horror e lágrimas, no entanto, não faltam. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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