São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2004

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SAÚDE

Sindicância que apurou denúncias de fraudes na fila de transplantes de medula conclui que "houve tratamento diferenciado"

Ministério identifica lobby e afasta dois

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sindicância aberta no mês passado para investigar denúncias de irregularidades no sistema de transplante de medula óssea concluiu que houve tratamento diferenciado a paciente -mas não identificou se a pressão veio de políticos ou não. Detectou ainda problemas burocráticos na autorização de um hospital para realizar esse tipo de cirurgia.
A apuração foi feita após denúncias de pressão política para beneficiar pacientes apresentadas pelo ex-diretor do Centro de Transplantes de Medula Óssea Daniel Tabak, quando ele pediu demissão do cargo no início do ano. O centro é ligado ao Inca (Instituto Nacional de Câncer).
Nas denúncias de Tabak, ele chega a citar pressões que teriam sido feitas por deputados e até pelo vice-presidente da República, José Alencar, que negou.
A comissão de sindicância não aponta que tenha havido, por pressão política, benefícios aos pacientes nos casos investigados. Mas ressalta que a assessoria parlamentar do ministério erra ao encaminhar solicitações à área técnica sem análise prévia.
Com base nas investigações, o ministro da Saúde, Humberto Costa, anunciou ontem o afastamento de dois funcionários: Diogo Mendes, coordenador do Sistema Nacional de Transplantes, e Iracema Salatiel, coordenadora do Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea), que era subordinada a Tabak.
A decisão será publicada no "Diário Oficial" da União de segunda-feira. Para Tabak, o afastamento da coordenadora provocará nova crise no Inca, com a possível demissão de outros diretores.
A investigação apontou ainda indícios de que clínicas particulares teriam feito transplantes de medula óssea sem conhecimento e autorização do ministério.
Isso levou Humberto Costa a solicitar ao Ministério da Justiça a abertura de inquérito pela Polícia Federal para apurar a atuação das clínicas. "Vamos abrir a caixa-preta que era o transplante de medula óssea no Brasil. Acho que não haverá desmoralização do sistema. Pelo contrário, estamos moralizando o setor", disse.
Em um caso analisado, de uma paciente do interior de São Paulo portadora de leucemia, a comissão aponta tratamento diferenciado do coordenador do sistema de transplantes. Diogo Mendes, via e-mails, solicitou informações diretamente a Iracema Salatiel, sem passar pela direção do Inca.
Também determinou a pesquisa, em bancos internacionais de doadores, de medula compatível para a paciente, passando-a na frente de outros que estavam na fila dos exames. A paciente ainda não fez o transplante.
Segundo Daniel Tabak, em uma reunião, Mendes chegou a citar que estava solicitando as informações por "determinação direta do presidente da República em exercício [José Alencar]". À comissão de sindicância, Mendes confirma as palavras, mas diz que foram descontextualizadas.
O relatório não acata a denúncia de que houve pressão política. Em relação a Iracema e Tabak, a comissão aponta que houve falhas porque eles acataram a pressão de Mendes. A Folha não conseguiu localizar Mendes e Iracema para comentar as acusações.
O outro caso denunciado por Tabak e analisado na sindicância é o do credenciamento do Real Hospital Português, em Recife, para realizar o transplante de um menino. Segundo a denúncia de Tabak, o pedido para que o caso fosse resolvido teria sido feito pelo avô do paciente ao ministro Humberto Costa, que nega.
Tabak diz ainda que o ministério não levou em consideração seu relatório sobre o hospital, já que a autorização foi dada antes de o documento chegar.
A comissão de sindicância concluiu que o ministério concedeu a autorização sem seguir a normalidade dos fluxos e trâmites administrativos, já que o pedido oficial chegou após a autorização ter sido concedida. Mas, segundo o documento, a atuação é justificada devido à gravidade do estado clínico do menino que seria operado e poderia morrer. A fila de transplante, afirma, não foi furada.
Com base no relatório, o ministro decidiu mudar a forma de financiamento para a busca de doadores nos bancos internacionais. Atualmente, o pagamento é feito via convênio com a fundação Ary Frausino, que repassa o recurso ao Inca. Uma comissão vai estudar como viabilizar a contratação direta do serviço.
No ano passado, o governo gastou R$ 1,5 milhão. Para atender a todos os 600 pacientes que aguardam transplante de medula óssea no Brasil, pretende investir neste ano R$ 24 milhões.


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