São Paulo, domingo, 28 de fevereiro de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

O barato sai caro


No futuro, a discussão sobre as drogas será feita com base mais em pesquisas científicas do que na emoção


NA NOITE da quarta-feira passada, o ambiente era totalmente insuspeito de qualquer conivência com o uso da maconha. Muito pelo contrário: era uma palestra apoiada por empresários e realizada no auditório de um dos mais tradicionais colégios de São Paulo. O palestrante convidado também não tinha absolutamente nada de alternativo: um cientista que fez da sua vida o combate ao vício e que mostrou pesquisas divulgadas pela não menos insuspeita editora da Universidade de Oxford.
Mas, dali, ninguém saiu sem pelo menos uma dúvida: se não causaria menos danos legalizar a maconha.
Por coincidência, esse encontro de quarta-feira realizado no Colégio Bandeirantes por Robin Room, um dos maiores especialistas do mundo em dependência química, e patrocinado pelo Conselho Empresarial da América Latina e pelo Instituto Fernand Braudel, ocorreu no mesmo momento em que jovens anunciaram para este final de semana uma manifestação, em São Paulo, pela legalização da maconha. O ato foi proibido na sexta pela Justiça de São Paulo, em decisão liminar.
Só o fato de esses personagens estarem abertos ao debate é um sinal de que esse tipo de assunto será tratado, no futuro, com base mais em pesquisas científicas do que em emoção.

 


É algo que está muito longe de seduzir o brasileiro. Segundo o Datafolha, 76% dos brasileiros querem a proibição das drogas -isso significa que, tirando um ou outro caso (Fernando Henrique Cardoso, por exemplo), o assunto vai ficar longe também da agenda dos políticos.
Foram exibidas tabelas resumindo o conhecimento científico disponível sobe os efeitos da maconha, comparando-a com cigarro, álcool e heroína. Compararam-se itens como acidentes, violência, suicídio, morte por overdose, dependência, cirrose, problemas do coração, câncer e doenças respiratórias. Ninguém disse que a maconha não traz perigos. Mas só que, nessa comparação, oferece menos riscos do que o cigarro e, principalmente, o álcool.
Daí sua conclusão, baseada em mais uma bateria de números, de que criminalizar a maconha acarreta mais danos do que benefícios.

 


Causa mais incômodo o fato de jovens defenderem o direito de expressar uma opinião sobre a maconha do que uma Paris Hilton mostrada como uma devassa para vender cerveja. Como o leitor desta coluna sabe, tenho restrições em relação ao uso de personalidades ou imagens que associem bebida a sucesso, esporte ou sexo. Imaginar, porém, que apenas restringir a publicidade funciona é semelhante a apostar na Justiça e na polícia para diminuir a dependência química. É o barato que sai caro.

 


Minha experiência acompanhando projetos com jovens dentro e fora do Brasil me ensinou que, em geral, quem tem apoio familiar e projeto de vida -ou seja, aposta que o futuro pode ser melhor do que é hoje- está mais vacinado contra o vício. Ou terá menos dificuldade de enfrentá-lo.
Os casos que testemunhei de vitória contra a dependência estavam acompanhados de uma combinação de remédios, terapia e encontro de alguma boa razão para viver.
Em poucas palavras, os valores são uma espécie de vacina. No mesmo dia em que Robin Room mostrava suas frias tabelas, era divulgado, nos Estados Unidos, um relatório da ONU informando que o vício em medicamentos superou o uso de drogas como heroína, cocaína e ecstasy.
Estamos falando aqui em tranquilizantes e inibidores de apetite. Uma das explicações para essa explosão de consumo: uma espécie de histeria para manter o corpo sempre magro -aliás, desumanamente magro- e uma dificuldade de lidar com as naturais frustrações e tristezas. E tome tarja preta, vendida clandestinamente.

 


É um debate muito complexo para ficar nas mãos apenas da polícia ou da Justiça. É, antes de mais nada, uma tarefa para os educadores, sejam eles pais, comunicadores ou professores. Fora disso, o barato sai caro, literalmente.

 


PS- Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) as lâminas exibidas pelo professor Room. Também é possível acessar a íntegra do seu livro, escrito com outros especialistas e publicado pela editora da Universidade de Oxford -infelizmente, estão disponíveis apenas em inglês.

gdimen@uol.com.br


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