São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 2002

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RETRATO DO BRASIL

Pesquisa IBGE mostra que, nos últimos 11 anos, brasileiro teve mais acesso a serviços de saneamento

Oferta de água não tratada cresce 191%

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

O brasileiro terminou a década de 90 com maior acesso a serviços de água, lixo, esgoto e drenagem, mas, em alguns casos, precisa se preocupar mais com a qualidade desses serviços. É o que mostram os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgada ontem.
Segundo o instituto, de 1989 a 2000 o volume de água distribuído por dia para os domicílios brasileiros aumentou 57,9%. O problema é que, nesses 11 anos, o volume de água com tratamento que chega às casas dos brasileiros cresceu 52,5%, enquanto o volume distribuído sem tratamento teve aumento de 191,3%, passando de 3,9% para 7,2% do total.
O problema é mais grave na região Norte, onde essa porcentagem chegou a 32,4% em 2000. O IBGE ressalta, entretanto, que o fato de a água não ser tratada não significa, necessariamente, que ela esteja contaminada.
"Frente a uma carência crônica de investimentos em saneamento, ampliar a rede, levar a água, se tornou prioridade. O tratamento adequado implica recursos que foram praticamente suspensos", afirma Walder Suriani, dirigente da Aesbe (Associação das Empresas Estaduais de Saneamento).
"Na região Norte isso é mais sentido porque as empresas estaduais lá praticamente acabaram, e os municípios menores não têm condições financeiras de investir", completa Suriani.
Além disso, em mais da metade (52%) dos distritos (bairros legais de um município) brasileiros abastecidos por rede geral de água, não é feito controle da qualidade pelas Secretarias de Saúde.
A água é veículo para diversas doenças, que matam 3,4 milhões de pessoas por ano em todo o mundo -a maioria delas crianças-, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Entre as chamadas doenças de veiculação hídrica estão diarréias, disenterias, cólera, leptospirose, amebíase, hepatite infecciosa, esquistossomose, febres tifóide e paratifóide. Elas foram responsáveis, em 2000, por cerca de 888 mil internações na rede pública de saúde, segundo estatísticas do SUS (Sistema Único de Saúde).
O presidente da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), Antonio César da Costa e Silva, é um dos que acreditam que R$ 1 investido em saneamento representa uma economia de R$ 5 em saúde pública.
Os dados do IBGE foram levantados em 2000 nas companhias ou órgãos públicos e privados responsáveis pelos serviços de saneamento. Eles revelam também que a coleta de esgoto foi a área em que o país menos avançou.
Quase todos os municípios brasileiros oferecem água encanada (97,9%) e recolhem o lixo doméstico (99,4%). No que diz respeito à coleta de esgoto, porém, a porcentagem é de apenas 52,2% e cresceu pouco: em 89, era de 47,3%.
Como a empresa que atua no município nem sempre atende a todas as casas e estabelecimentos da cidade, a porcentagem de domicílios com rede coletora de esgoto era menor ainda em 2000: apenas um terço deles (33,5%) eram atendidos por esse serviço.
O destino final do esgoto é um dado que mostra o quanto o país precisa avançar na área. Do volume total de detritos coletados pela rede, apenas 35,3% é tratado.
Em 84,6% dos distritos onde não há tratamento, o esgoto é simplesmente despejado in natura nos rios, o que compromete a qualidade da água, encarece e dificulta o seu tratamento pré-distribuição, formando um ciclo vicioso classificado como "perverso" por Suriani. A opinião é compartilhada por Roque Passos Piveli, professor do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP.
"Infelizmente, na prática, o fornecimento de água é a primeira preocupação, seguida pelo afastamento do esgoto. Só depois que cuidam disso é que se pensa no tratamento dos detritos. O ideal é que tudo fosse planejado de forma conjunta", completa.
O destino final do esgoto pode afetar a qualidade da água consumida mesmo quando ele é despejado em fossas, e não em rios, solução mais comum em municípios onde não há rede coletora.
"Em distritos que utilizam a fossa séptica como destino final do esgoto, geralmente há também o aproveitamento de água subterrânea, que não é tratada. As fossas podem comprometer a qualidade dessa água, aumentando a concentração de nitratos, o que pode causar até câncer", explica o engenheiro sanitarista Airson Medeiros da Silva, consultor da Abes.
Ele também faz a ressalva de que o fato de a água não ser tratada não significa, necessariamente, que ela chegue contaminada. Para Silva, o IBGE mostra que o país avançou em quase todas as áreas, mas ainda não chegou ao ideal.

Metas
No texto de apresentação da PNSB, o IBGE afirma que o Brasil ainda nem conseguiu cumprir as metas estabelecidas pelo Planasa (Plano Nacional de Saneamento) para a década de 80, de atender pelo menos dois terços da população com serviços de esgoto.
Criado nos anos 70, o Planasa não está mais em vigor, e o setor de saneamento básico se ressente da falta de uma política nacional, que defina novas metas, aponte possibilidades de financiamento e estabeleça áreas prioritárias.
O projeto de lei nš 4.147, que preencheria essa lacuna, ainda aguarda uma votação na Comissão de Saneamento, onde precisa ser pré-aprovado antes de ir para o plenário da Câmara dos Deputados. "A aprovação da lei é importante para a universalização dos serviços", afirma Suriani.



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