São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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BABEL PAULISTANA

Estado não foi à Justiça para recuperar prédio de R$ 1 milhão nem ofereceu solução habitacional a invasores

Abandonado, posto de saúde vira cortiço

JOÃO CARLOS SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Abandonado pelo governo estadual há dois anos e meio, um posto de saúde de 1.325 m2, que custaria hoje de R$ 1 milhão a R$ 1,2 milhão para ser construído, foi transformado em uma espécie de cortiço encravado em um morro do Jardim Ingá (zona sul de SP).
O prédio foi invadido em 1996, quatro anos após a obra ter sido concluída, na gestão Luiz Antonio Fleury Filho. Pronto para ser inaugurado, o edifício ficou fechado por quatro anos e nunca foi usado como unidade de saúde.
O Estado, depois da invasão, não foi à Justiça para tentar reavê-lo. Na Secretaria de Estado da Saúde, o processo sobre o posto foi arquivado em 1999.
Sem a medida para defender o patrimônio público, o caso pode ser classificado como omissão e deverá ser investigado pelo Ministério Público de São Paulo.
Segundo a diretora do Distrito de Saúde de Campo Limpo, Sandra Maria Sabino Fonseca, se o posto do Jardim Ingá estivesse funcionando, aliviaria o atendimento da UBS (Unidade Básica de Saúde) do Parque Arariba -há 1,5 km do prédio invadido.
Já municipalizada, a unidade é responsável pelo atendimento de 60 mil pessoas da região, incluindo o Jardim Ingá. O número de moradores é três vezes o ideal (20 mil), segundo a prefeitura.

Esquecidos
Com o arquivamento do caso pelo governo estadual, os invasores passaram a viver como uma comunidade esquecida.
O IBGE, porém, os encontrou. Pelos números do Censo de 2000, havia 146 moradores no posto, classificado como moradia improvisada, bem mais que as primeiras seis famílias que começaram a invasão.
Em 2001, segundo um cadastramento feito por uma associação de moradores, havia cerca de cem famílias (mais de uma por domicílio) vivendo no posto e no terreno em que ele foi construído. Hoje, no total, há 49 domicílios no lugar -38 na área interna do edifício e 11, na externa, segundo contagem feita pela Folha.
Para o Estado dar fim aos 49 domicílios improvisados e ainda recuperar o posto de saúde, bastava ter destinado menos de 0,14% das 37.028 unidades habitacionais entregues a moradores da capital entre 1995 e o mês passado.
Em vez disso, deixou as salas do posto servirem de moradia para famílias com até 15 pessoas. Elas dormem sob ligações clandestinas de energia e redes de canos de água, também irregulares.
Alguns nem sequer têm água encanada. Precisam armazenar água em baldes para cozinhar e tomar banho. Corredores também foram ocupados e agora são labirintos usados como casas.
Sob uma rampa para deficientes físicos, usada como banheiro pelas crianças, uma família vive em um quarto que tem menos de 1,5 m de altura no espaço em que a cama foi colocada. Quando chove, o lugar inunda com a água que desce pelas paredes.
Dentro do prédio, a situação não é melhor. Por conta do telhado danificado, a água chega às casas pela rede elétrica.
A situação em que os moradores vivem assusta até quem está acostumado com as áreas invadidas, as moradias precárias e as favelas da região. "Se acontecer uma tragédia aqui, morre todo mundo", disse o administrador regional do Campo Limpo, Glauco Aires, após visitar o lugar.
Ele foi ao Jardim Ingá para conhecer o posto, pois, ironicamente, moradores de bairros vizinhos reivindicam mais uma unidade de saúde para a região.
Os moradores do prédio, por sua vez, sonham com ajuda para fazer melhorias no lugar, pois já não contam com solução melhor.


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