São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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Lugar no prédio custa até R$ 2.500

DA REPORTAGEM LOCAL

Como acontece em barracos de favelas, um espaço para viver no prédio do posto de saúde do Jardim Ingá tem seu preço.
A regra para determinar o valor do "imóvel" é a de mercado: depende da localização e do tamanho. Alguns chegam a custar R$ 2.500, segundo os moradores.
"Tem uns que pedem R$ 1.500, outros, R$ 2.500. Há também lugar por R$ 500. Depende do tamanho", diz Ana Paula Santos, 33, desempregada, solteira, mãe de sete filhos e moradora do prédio.
Quem fizer a opção por morar no lugar será informado que, devido ao nível de urbanização, os moradores resolveram adotar algo como um plano diretor do terreno do posto de saúde.
Como já falta espaço para as crianças brincarem, resolveram que ninguém construirá mais nada na área do prédio.
Embora saiba da oferta e da venda de espaço no posto e na área em que ele foi construído, Ana Paula não teve de passar pela situação de precisar pagar para morar em um prédio público.
A mãe dela, Joanita Santos, 56, foi uma das primeiras a invadir o prédio, em agosto de 1996.
Joanita tinha sido despejada por não ter dinheiro para pagar o aluguel da casa em que vivia. Preocupados, vizinhos contaram a ela sobre o posto de saúde vazio, na época, há quatro anos.
Na invasão, Joanita ocupou parte de um dos corredores do posto de saúde. Hoje, vive com 14 filhos e netos em um dos maiores domicílios do posto -cerca de 150 m2.
A família de Neuma Silva Pinheiro, 22, não teve a mesma sorte. Ela prefere não falar sobre o assunto, mas teve de pagar para morar em uma área externa, nos fundos do posto de saúde. "Não sei quanto custou. Quem fez o negócio foi o meu marido e o meu sogro", disse ela.
Neuma e o marido, Marcos, nem pensam em deixar o posto, onde vivem há cerca de um ano.
Neuma, mãe de Stephanny, 4, e de Andrezza, 2, está desempregada. Marcos ganha R$ 200 por mês como cobrador de uma lotação. "Não dá para pagar um aluguel. Prefiro economizar e tentar comprar uma casa", diz.
O sonho do casal é conseguir juntar cerca de R$ 6.000, o suficiente para comprar um barraco, em um terreno regularizado, segundo pesquisas de preços feitas pelos dois.
Até conseguir o dinheiro, eles vão ter que continuar morando sob uma rampa de acesso para deficientes físicos e macas do posto de saúde.
A rampa serve de teto para parte da cozinha e de um dos quartos da casa. Quem não repara em uma cortina instalada em um canto da cozinha não percebe que ela serve de porta para um quarto que já foi de Neuma e Marcos.
Agora, o cômodo, que na parte mais alta não permite que uma pessoa de 1,75 m fique em pé, é usado por uma irmã e duas sobrinhas do cobrador.
"Ela o escolheu porque teríamos mais privacidade", disse Neuma sobre a possibilidade de a cunhada ter escolhido o outro quarto da casa, bem menor, mas com altura suficiente para nele se ficar em pé.
O cuidado com a privacidade alheia não é sempre possível, como sabe a família da dona-de-casa Maria de Fátima Pereira da Silva, 50. Sem banheiro em casa, ela, filhos, netos e o marido têm de recorrer aos vizinhos. "Usamos o banheiro da casa da minha irmã ou os dos meus dois filhos", disse.
O cuidado de ir ao banheiro antes de dormir, para evitar acordar os parentes na madrugada, já está dando certo há um ano. Até hoje, segundo ela, ninguém acordou apertado no meio da noite. (JCS)

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