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São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 2003

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FEBEM

Crime ocupava quinto lugar em 2000 e o quarto em 2001; em junho, 9,8% dos 6.270 internos comerci alizava m drogas

Tráfico já é a 2ª causa de internação em SP

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O patrão tem 14 anos. Os dois empregados, 13 e 12. Pelas idades, o negócio poderia ser uma simples brincadeira infantil, mas ele é bem real e mostra um cenário preocupante que cresce em São Paulo. Os três montaram uma pequena "biqueira" para vender drogas. O faturamento chegou a R$ 600 por dia.
O adolescente G., o patrão, foi preso em agosto de 2002, ano em que as internações por tráfico na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) paulista registraram um salto, tendência mantida em 2003.
Quinto motivo de internação em 2000, o tráfico passou hoje para o segundo lugar no ranking no Estado, só perdendo para o roubo qualificado. No país, o tráfico é o quarto motivo de internação de adolescentes, segundo pesquisa divulgada pelo governo federal em dezembro.
Dos 6.270 internos no mês passado em São Paulo, 619 (9,8%) foram parar na Febem por vender drogas. Em dezembro de 2002, esse índice era de 9,2%. G. disse que foi o azar que o fez entrar nessas estatísticas da fundação.
Morador da zona sul de São Paulo, que concentra maior número de internações por tráfico da capital paulista, o adolescente recusou diversos convites para vender drogas. "Sempre quis ser patrão. Ser empregado não dá dinheiro", afirmou.
Ele manteve a posição até surgir a oportunidade de montar seu próprio "negócio". Um amigo traficante que não podia "trabalhar" por causa de um ferimento a bala lhe entregou R$ 200 para que comprasse e revendesse maconha. O amigo queria R$ 500 de volta e o resto ficaria com G.
Procurou então os quatro traficantes mais importantes da região, contou a história do amigo ferido e pediu permissão para instalar uma pequena biqueira. Autorização concedida, ele foi fazer um "estágio" na biqueira maior de outro amigo.
O adolescente disse que aprendeu tudo que precisava em 24 horas. Recrutou mais dois garotos -um de 13 anos e outro de 12 anos- e estabeleceu um horário rígido de "trabalho", sem folga semanal, como na biqueira maior.
Os "funcionários" trabalhavam das 10h às 22h, de segunda a quinta. Na sexta e no sábado, começavam à noite e iam até a madrugada. No domingo, a venda iniciava à tarde e se prolongava até as 22h.
O amigo que emprestou os R$ 200 foi morto por um traficante rival, segundo G. Sem precisar pagar a dívida e com "as vendas progredindo", o adolescente também passou a vender cocaína.
Em três meses, comprou roupas caras, uma moto usada -por R$ 2.200- e se preparava para comprar um Chevette. Já era chamado de patrão por amigos quando deixou a escola, onde estudava na 7ª série do ensino fundamental.
Morando com cinco irmãos -nenhum envolvido com o crime- , com a mãe dona-de-casa e o padrasto que fazia bicos, o adolescente disse que tentava disfarçar o lucro da droga.
A moto Honda CG ficava na casa de um amigo. As roupas novas eram sempre emprestadas. O dinheiro usado para comprar pizza e refrigerante quase todas as noites era conseguido em pequenos serviços feitos na região.
"Só souberam quando eu fui preso. Minha mãe chorava e perguntava por que eu tinha feito aquilo", disse o adolescente. Policiais invadiram sua casa e encontraram 150 gramas de maconha. Um descuido: a droga sempre ficava com os dois "funcionários".
Hoje com 15 anos, há uma semana fazendo curso de informática na Febem, em São Paulo, G. disse que aprendeu a lição. "Meus verdadeiros amigos eram aqueles que me diziam que o tráfico não dava futuro." Dos seus dois "ex-funcionários", G. soube que abandonaram o tráfico após sua prisão. "Estão sossegados, como eu."


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