São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Se meu ônibus falasse


Wilson Simonal, Diogo Pacheco e Marco Nanini moraram em um prédio onde hoje fica a TV Gazeta

O MÚSICO Vanderlei Lucentini, de 51 anos, faz parte do escasso grupo de paulistanos que, apesar de dispor de recursos, não tem nem pretende ter automóvel. "Nem tirei carteira de habilitação." Desde ontem, ele inovou o transporte público ao implantar em um ônibus que vai percorrer por uma semana a avenida Paulista um sistema de som especial. "É quase como uma sinfonia", resume.
Um sistema computadorizado, conectado por GPS, reconhece certos imóveis na Paulista e diante deles emite aos passageiros um emaranhado de sons, compostos por palavras soltas, ruídos, frases e melodias. "É assim que vou traduzindo a história de cada lugar."
Diante do local onde era a mansão da família Matarazzo, ouvem-se ruídos ligados à industrialização misturados a uma melodia cantada por Maysa, que morou ali.

 

A "sinfonia" faz parte do File (Festival Internacional de Linguagem Eletrônica), que, a partir desta semana, apresenta uma série de intervenções ao longo da avenida Paulista. O ônibus fará várias viagens por dia, partindo da frente do prédio da Fiesp.
Nascido na periferia de São Paulo, Vanderlei fez um curso técnico de mecânica industrial, mas não ficou nisso. Foi aos Estados Unidos para estudar música e tecnologia. De volta ao Brasil, passou a compor trilhas sonoras para cinema, teatro e balé, além de fazer uma série de experimentações em multimídia.
A pedido do File, Vanderlei envolveu-se em uma pesquisa sobre a Paulista. A ideia era usar novas tecnologias para contar os vários momentos de um mesmo lugar.
No local onde hoje está o parque Mário Covas, nasceu Burle Marx e, depois, morou um dos patronos da Semana de Arte Moderna, de 1922. Misturam-se, então, Covas e os modernistas. "A avenida virou, para mim, uma espécie de sala de aula."

 

Descobriu que, no local em que hoje está a TV Gazeta, havia um prédio onde moravam o cantor Wilson Simonal, o maestro Diogo Pacheco e o ator Marco Nanini. Naquele trecho, o ônibus emite sons que remetem a esses três artistas numa mistura com a história da Gazeta, organização jornalística fundada por Cásper Líbero.
Um samba e o hino do Corinthians mesclam-se quando o ônibus passa em frente a um ponto que já abrigou a boate onde dançavam as mulatas de Sargentelli e que, antes disso, tinha sido a casa de um presidente daquele clube de futebol.
A melhor das histórias, porém, está ligada a um feito não reconhecido internacionalmente: a primeira transmissão de rádio do mundo. Atribuída ao padre Roberto Mendel, deu-se em 1863 na Paulista. Num dos casarões, morava o advogado Azevedo Marques, que se tornaria ministro na Presidência de Epitácio Pessoa, que, por sua vez, inauguraria o rádio no Brasil. "A sinfonia" associa essas fases históricas.

 

Para Vanderlei, o trajeto também remete a um fato da vida pessoal. Para ele, a Paulista significava terror. Seu irmão, mordido por um cachorro, teve de tomar injeções durante um mês no Instituto Pasteur.
Um detalhe nostálgico: ele nunca teve carteira de habilitação, mas seu pai, motorista de ônibus, ganhava dinheiro dirigindo.

gdimen@uol.com.br


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