São Paulo, terça, 28 de julho de 1998

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OPINIÃO
Saídas para a medicina

GONZALO VECINA NETO

Em 25 de junho, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo apresentou os resultados do funcionamento das maternidades do Estado. A corajosa iniciativa do CRM demonstra no que se está transformando a prática médica.
Médicos despreparados, hospitais improvisados, falta de materiais e medicamentos, tudo redundando em aumento de mortalidade materna e perinatal, em sofrimento e dor desnecessários.
Sem dúvida, uma causa importante do atual estado das coisas repousa na qualidade das escolas médicas. Há escolas com autorização oficial, formando 300 médicos por ano, que nem sequer têm hospital-escola que mereça o nome. O crime é cometido na esquina e à luz do dia, e não se faz nada.
Mais escolas são criadas e funcionam sem autorização, ao arrepio da lei, protegidas pelo clientelismo político, aprovadas em ignóbeis negociatas brasilianas. É preciso reavaliar as condições estruturais de seu funcionamento e dar um basta a essa imundície.
Outra causa está na formação do médico. A esmagadora maioria das escolas forma médicos para tratar de doenças, não de homens. Há muito discute-se que os médicos precisam ser humanizados, mas não se sabe como. Certamente, não é dando cursos de filosofia no primeiro ano ou com campanhas do tipo "trate bem seu paciente, ele é um ser humano".
Um exemplo: as faculdades de medicina de Botucatu, Londrina, Marília, Brasília e das federais do Rio Grande do Norte e da Bahia, com apoio da Fundação Kelloggs, desenvolvem o projeto "Uma Nova Iniciativa na Formação de Recursos Humanos em Saúde", com metodologias que buscam fazer o graduando pensar nas causas dos problemas que enfrenta.
Finalmente, há as organizações em que os médicos trabalham. A rede hospitalar brasileira está totalmente desaparelhada; não existe uma política tendente a garantir que, se os hospitais não podem curar, que pelo menos não matem.
Boa parte da rede hospitalar interna pacientes que não precisam e não tem condições de tratar os que precisam devido à incompetência regulatória do Estado. O sistema de financiamento do SUS, em particular, tem de sofrer radical transformação, visando a diferenciação da rede hospitalar -ou seja, não se pode remunerar de forma igual instituições desiguais.
Rever as condições de funcionamento das escolas, incentivar o uso de novas metodologias na formação médica e rever a estrutura e o funcionamento das instituições são caminhos que, no médio e longo prazo, sem imediatismos ingênuos, poderão melhorar a prestação das ações de Saúde no Brasil.


Gonzalo Vecina Neto, 45, médico, é diretor-executivo do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Assume no dia 3 de agosto o cargo de secretário nacional da Vigilância Sanitária



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