São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Teoria da guerra nos limites do Direito

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

D esde que terminou a Segunda Guerra Mundial do século 20 (1939-1945), completando os efeitos dos conflitos iniciados em 1870 e do período de 1914 a 1918, o planeta Terra passou a viver confrontos de outras espécies, entre eles a guerra política da bipolaridade capitalista-comunista (chamada Guerra Fria) e os conflitos pontuais, nem sempre chamados de guerra (Coréia, Vietnã). A importância assumida por combates efetivamente mundializados pela intervenção de países dos cinco continentes e as armas atômicas mudaram o perfil clássico e até ampliaram os estudos teóricos sobre suas consequências sociais, econômicas e psicológicas, desde a destruição de Hiroshima e de Nagasaki, em 1945.
As teorias sobre a guerra são antigas, culminando em 1832, com a edição do clássico livro "Da Guerra" ("Vom Kriege"), do prussiano Carl von Clausewitz. Para ele, o fim primacial da guerra é a destruição do inimigo, na medida necessária para torná-lo absolutamente impossibilitado de se defender, levando-o à rendição. Nos combates, o preceito bíblico do "não matarás" salta para o oposto: matarás quanto seja necessário para te impores ao teu inimigo. Nasceu daí a definição cínica de que, na guerra, patriotismo não é morrer pela pátria, mas fazer com que os outros morram pela deles.
Apesar de toda a destruição que provoca (entre 1939 e 1945, morreram 30 milhões de pessoas), os conflitos continuam. Em tese, destinam-se a um fim nobre, à defesa de boas causas, o que raramente aconteceu desde as guerras religiosas dos tempos do descobrimento do Brasil e dos Seiscentos, em que a catequese e a defesa dos lugares santos foram desculpas para a dominação de novos territórios e para o aniquilamento de adversários, além da satisfação de importantes interesses econômicos. Depois de 1945 e do perigo de um último conflito que erradicasse os seres vivos da face da Terra, as principais teorias foram no sentido de caracterizar a guerra como algo intolerável, levando o Direito a estabelecer regras mais severas para impedi-las. A Constituição do Brasil, por exemplo, embora afirme a soberania nacional como um de seus fundamentos (artigo 1º), destaca, na defesa da paz, um de seus princípios determinantes (artigo 4º, V) e, ainda, a solução pacífica dos conflitos.
Com importância para o presente momento mundial, contudo, o mesmo artigo 4º também manifesta o repúdio de nosso país ao terrorismo, dado a este vocábulo o significado genérico de atividade ilícita destinada a provocar fora da ordem constituída a destruição pessoal e material, causando insegurança, incerteza e quebra da paz pública.
O estado de guerra é situação específica, a ser reconhecido, em geral, pelo Poder Legislativo de cada país. Os tratados e as convenções internacionais exigem, para certos casos, que a intervenção guerreira seja previamente autorizada pelos organismos internacionais. É a explicação para a ida recente dos Estados Unidos à ONU, necessária ante a oposição da União Européia (exceto da Inglaterra) e de países entre os quais se inclui o Brasil à ação unilateral. Mesmo a violência inexcedível da guerra é submetida ao Direito. Quando este perece, resta apenas a força bruta, com resultados mais lamentáveis do que todos os outros. Os meios pacíficos deveriam preponderar, mas parecem distantes.


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