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URBANIDADE
À margem da imagem
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Josué Marques de Oliveira,
40 anos, é uma das piores paisagens humanas da cidade de
São Paulo. Quase ninguém consegue ao menos chegar perto dele
-exceto Cássio Giorgetti, um jovem formado em ciências sociais
pela PUC. "A carne apodrecida
produz um cheiro muito forte",
conta Cássio.
Habitante das calçadas do Bexiga, Josué recebeu, há quatro
meses, o diagnóstico de que deveria amputar um dos pés, atacado
por uma necrose. Ele fica estirado
na rua, o pé já quase descolado
do corpo, reclamando das dores.
"Não tenho paciência de ficar esperando tanto na fila", justifica
Josué. Cássio levou-o à tarde ao
hospital para tentar evitar que a
necrose avançasse pelo corpo.
Cássio aprendeu a sensibilizar-se diante da marginalidade paulistana influenciado pela família
e pelo cinema. No caso dele, família e cinema não se diferenciam. Seu pai, Ugo Giorgetti, é
um dos cineastas que melhor retratam a degradação da cidade.
Na sua obra "Sábado", em que
um prédio decadente serve de cenário para a produção de um comercial, moradores de rua atacam desesperadamente o lanche
da equipe de produção. Em outro
dos seus filmes, "À margem da
imagem", a população de rua é o
tema central.
O filho, porém, procurou a realização profissional não nas telas,
mas nas ruas, onde os personagens dos filmes do pai não são fictícios. Tornou-se assistente social
da prefeitura e quase todas as
noites circula conversando com
mendigos que dormem ou vivem
na rua -um grupo de 11 mil pessoas que se espalham pelas praças e viadutos. Cássio aprendeu
como é difícil tirá-los das ruas,
mesmo oferecendo-lhes abrigo e
até mesmo emprego. "É muito
mais difícil do que se imagina."
Percebeu que a imensa maioria
dos mendigos sofre de distúrbios
mentais associados ao álcool ou
a outras drogas, destruída pela
depressão ou por diferentes psicoses. "No abrigo, não podem beber; preferem ficar na rua." Mas
são muito mais inofensivos do
que se imagina, segundo ele.
"São pessoas que já chegaram ao
fim da linha, entregaram os pontos, e a sociedade não sabe ou
não quer recuperá-las."
Cássio também aprendeu que,
se colocassem na tela certas imagens que ele testemunha, provavelmente diriam que é exagero.
"Não pareceria real." Um exemplo é a imagem de um ser humano tantos meses, na frente de todos, com o pé podre, descolando-se do corpo por falta de atendimento médico.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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