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MEDICINA PALIATIVA
Em Jaú, instituição pioneira tem como prioridade melhorar a qualidade de vida de doentes terminais
Centro alivia dor de pacientes incuráveis
RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A JAÚ
No final do corredor, ao lado da
capela, uma placa pregada na parede indica a última esperança de
alívio para os pacientes: Pavilhão
Anna Cândida de Carvalho -
Centro de Terapia da Dor e Medicina Paliativa.
"Muitos têm preconceito, vêm
para cá com medo", reconhece
Antonio Carlos de Camargo Andrade Filho, 49, chefe do primeiro
hospice (local de tratamento de
pacientes terminais) criado no
Brasil, que funciona desde 1993
no Hospital Amaral Carvalho
(HAC), em Jaú, a 310 quilômetros
de São Paulo.
Não é para menos. Em geral, são
encaminhados para esse setor do
hospital doentes em estado terminal, que já não reagem aos tratamentos convencionais e sentem
dores insuportáveis. Por isso, Camargo já se habituou a ouvir um
apelo dramático quando o paciente chega: "Por gentileza, doutor, se não conseguir tirar esta
dor, pode me matar".
Os parentes pedem para o
doente "não falar uma coisa dessas". Uma vez que o doente é tratado com medicamentos, que o
próprio médico ajudou a desenvolver, no dia seguinte é comum
ouvir outro pedido: "Doutor, por
gentileza, esqueça aquele pedido
que fiz ontem".
Especializado em medicina de
reabilitação, o então jovem médico e professor da Santa Casa de
São Paulo começou a se interessar
pela terapia da dor no início dos
anos 80.
"Começou com meu sofrimento ao observar pacientes politraumatizados com dores intensas e
sem poder fazer nada. Eram pacientes que tinham escapado da
morte, mas não conseguiam a
reabilitação por causa das dores
constantes."
Camargo lembra que, na época,
vivia-se o apogeu das UTIs (unidades de terapia intensiva). "Pegavam o indivíduo que chegava
num saco plástico e o mantinham
vivo de qualquer jeito. Depois, a
reabilitação era um calvário de sofrimento porque o paciente não
conseguia retomar a vida útil, socialmente aproveitável."
Como não havia nenhum centro especializado no Brasil, ele foi
estudar no Centro de Alívio da
Dor do Walton Hospital, em Liverpool, na Inglaterra, país pioneiro na instalação de hospices.
Na volta, criou na Santa Casa o
primeiro ambulatório de medicina paliativa do país, na contramão da medicina do pós-guerra,
que privilegiava a tecnologia para
retardar a morte, deixando de se
preocupar com a dor.
Medicina antiga
Era uma situação oposta à vivida nos primórdios da medicina,
quando a falta de recursos muitas
vezes limitava a ação dos médicos
ao apoio psicológico e espiritual
aos pacientes e seus parentes, buscando diminuir o sofrimento da
família.
Para minorar as dores dos
doentes, usava-se o ópio como
analgésico potente, sem o preconceito que hoje persiste na classe
médica brasileira.
O resgate das antigas práticas
pela medicina paliativa foi defendido por dois mestres de Camargo: Sampson Lipton, em Liverpool (Inglaterra), e John Bonica,
da Universidade de Washington
(EUA).
"Os dois são os grandes responsáveis pela mudança de curso da
medicina. Os médicos estão voltando a se preocupar com o sofrimento dos pacientes e não só com
as modernas técnicas cirúrgicas e
terapêuticas."
Ainda na Santa Casa, o pioneiro
da medicina paliativa no Brasil
contou com o trabalho da farmacêutica Nadja de Oliveira no desenvolvimento de drogas especiais, já que não existiam morfínicos e opiácios para uso oral no
mercado.
Antes, de cada dez pacientes, sete necessitavam de intervenções
cirúrgicas para combater a dor
provocada pelo câncer. Com os
medicamentos, esse índice caiu
para um por dez. De tanto defender a qualidade -e não a quantidade- de vida dos seus pacientes, ele vivia um paradoxo. Como
conciliar a teoria com a prática,
vivendo numa cidade como São
Paulo?
Destino: Jaú
Quando surgiu o convite para
montar um hospice no Hospital
Amaral Carvalho, em Jaú, que já
conhecia como um centro de referência em oncologia, Camargo
não precisou pensar muito.
Foi morar numa confortável casa com jardim e piscina, a poucas
quadras do hospital, sem enfrentar trânsito, o que lhe permite almoçar e jantar com a família.
Fundador e ex-presidente da
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, Camargo dedica-se
agora a trabalhar na criação de
um Programa Nacional de Educação em Dor e Cuidados Paliativos.
Na Inglaterra, o país mais desenvolvido na área, há 472 hospices com média de 15 leitos cada a
um custo de US$ 200 por paciente/dia (o tratamento oncológico
convencional custa quatro vezes
mais caro).
No Brasil, há apenas cinco enfermarias hospices e 14 centros de
medicina paliativa. O custo semanal de um paciente internado no
centro do HAC é de R$ 427,67,
menos que uma diária de UTI em
hospital do mesmo porte.
Vagas
O SUS (Sistema Único de Saúde) ainda não remunera esse
atendimento, embora o Ministério da Saúde recomende a instalação de enfermarias hospice para
pacientes terminais.
Além do custo menor, o remanejamento de doentes incuráveis
-cerca de 60% dos internados
com câncer- para centros de
medicina paliativa liberaria instalações e equipamentos para pacientes hoje sem possibilidades de
atendimento.
Na sua ronda pelos quartos, dr.
Camargo não se cansa de fazer
perguntas. Alegra-se a cada sinal
de melhora dos pacientes, como
se cada um fosse parente seu.
"Melhorou, melhorou mesmo?
Então vai ter que andar. De vagabundo aqui, chega eu", brinca,
para animar a paciente Ana Maria
do Prado, 55, que vem de uma delicada cirurgia no intestino.
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