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ACIDENTE
Motoboy atingido por árvore na avenida Sumaré, morto aos 39 anos, voltou às ruas depois de fechar microempresa
Vítima ganhou aliança da mulher na véspera
DA REPORTAGEM LOCAL
Na última noite de sua vida, o
motoboy Marcos Vinicius Cruz
da Silva, 39, ganhou da mulher
uma fina aliança folheada a ouro.
Era a segunda que Ana Paula Gomes, 24, lhe dava em seis anos de
casamento. A primeira, nenhum
deles usava. Ele, porque apertava
o dedo ao vestir a luva de motoqueiro. Ela, porque o metal se desgastou com os produtos químicos
do salão de beleza onde trabalha.
"Mas essa eu não vou tirar nunca", disse o marido a Ana Paula.
Juras de amor refeitas, ela brincou: "Vamos nos casar de novo?".
Com um meneio de cabeça, ele
concordou. E foram para a TV esperar o sono chegar. Horas depois
Silva estava estendido no asfalto
da avenida Sumaré, vítima de um
tronco de árvore que rachou e
caiu sobre a pista.
Na noite de ontem, enquanto
esperava para fazer o boletim de
ocorrência, no saguão do 23º DP,
em Perdizes, Ana Paula trocava a
aliança de dedos incessantemente. Tremia. Dizia não saber se vai
processar a prefeitura. Chorava. E
falava, utilizando um pretérito
ainda incrédulo, sobre os planos
de vida do marido.
"Ele reclamava de cansaço no
trabalho. Estava pensando em
trocar de profissão. Mas temos
dois filhos e ele sempre foi um cara responsável", conta.
Motoboy havia 18 anos, era o
número 54 da empresa Free Way
Express. Já havia tentado a sorte
como microempresário, abrindo
sua própria empresa de entregas
rápidas. Traído pelo sócio, que
desfalcava o caixa, fechou a firma
um ano depois. E voltou às ruas
com sua Honda Strada roxa, 200
cilindradas, disputando os faróis
com outros 200 mil motoboys que
circulam diariamente pela cidade.
Ontem, caída no gramado do
canteiro central da avenida Sumaré com a lataria levemente amassada e o espelhinho arrancado, a
moto de Silva marcava os 79.104
quilômetros que eles percorreram
juntos em quatro anos. Era sua
companheira de até 14 horas de
luta diária. Rendia cerca de R$
1.500 por mês, mas lhe roubava a
dedicação familiar.
"Ele só tinha os domingos com
a família. E, ainda assim, muitas
vezes passava o dia de folga limpando e cuidando da moto. Só ele
tocava na máquina. Era a sua
grande paixão", diz Ana Paula.
Considerado um motociclista
cuidadoso por colegas, tinha outra imagem entre alguns vizinhos
e parentes, que o apelidaram de
"Louquinho". Adorava empinar a
moto e, ainda solteiro, envolveu-se em alguns acidentes que não
causaram ferimentos graves.
Na mochila, levava sempre a foto dos filhos Felipe, 5, e Giovana,
4. Já tinha programado uma viagem para o próximo domingo
com toda a família. "Iríamos para
a Praia Grande passar o dia no
mar", conta Ana Paula.
Fã do rap dos Racionais, que ele
cantarolava o dia inteiro, Silva
chegava de noite tão cansado à
sua casa no bairro de Vila Penteado, na zona norte da cidade, que
geralmente pedia para ver um filme de vídeo e dormia no meio. Na
terça-feira, alugou Drácula. Dormiu com a aliança no dedo.
Ontem, Cruz acordou cedo, por
volta das 6h. Era seu 14.431º dia de
vida. Como de costume, preparou
a mesa para a família. Tomou o
seu último café, calado. Deu um
beijo no rosto da mulher, disse
"tchau, até de noite" e foi trabalhar. Mas havia uma árvore em
seu caminho.
(FABIO SCHIVARTCHE)
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