São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007 |
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GILBERTO DIMENSTEIN O aborto de Caetano, Chico e Niemeyer
INSTALADA EM CIMA de uma oficina mecânica numa esquina movimentada da cidade de São
Paulo, uma sala de 120 m2, de teto
baixo e com pequenas janelas, é o
cenário de uma experiência de três
anos da FIA (Fundação Instituto de
Administração), instituição associada à USP. Aprende-se ali como administrar talentos numa situação
adversa -e, especialmente, como
recuperar o tempo perdido. Não há nenhum segredo para o sucesso. Além de esforçados e talentosos, eles recebem ajuda de custo, de empresas privadas, para que possam sobreviver enquanto estão naquele misto de quarto ano de ensino médio com cursinho pré-vestibular. A FIA trata de escolher professores motivados e acompanhar o desempenho desses jovens. Uma vez que entram na faculdade, os estudantes demonstram um desempenho que equivale ou até mesmo supera o de seus colegas das escolas privadas, que são ajudados pela bagagem familiar, pela rica vivência comunitária e pelo acesso a cursos suplementares. Esse fenômeno é medido detalhadamente em números na Unicamp, onde se lançou um critério especial para a admissão de alunos da rede pública. O que acontece naquela apertada sala em cima da oficina, improvável cenário de excelência educacional, mostra o mais terrível aborto. Há uma série de escolas privadas da elite paulistana que, por diferentes programas, recebe bolsistas vindos da periferia. Os professores se emocionam quando falam das conquistas daqueles adolescentes e de sua capacidade de superar diversidades. É o sonho de qualquer educador: alunos talentosos e esforçados, mesmo sem recursos. Para os bolsistas, já é motivo de comemoração ter aulas todos os dias. Fiz uma enquete com um grupo deles: todos lamentam, entre outras coisas, a falta do professor. O problema é que todas essas bolsas conseguem ajudar um punhado de alunos -algumas das matrículas das melhores escolas giram em torno de R$ 1.500 mensais, o que representa dez vezes mais do que o custo de um aluno de escola pública. Estamos longe do "voucher" educacional dos Estados Unidos, que garante a qualquer um a matrícula num colégio particular se a rede pública for ruim. Na próxima semana, haverá um plebiscito em Utah (EUA) para oficializar esse programa, aplicado em diversas cidades. Por trás da polêmica do "voucher", há uma ansiedade com a perversidade da perda de talentos. Uma pesquisa divulgada na semana passada mostrou que 18% dos estudantes de três escolas municipais de São Paulo apresentam habilidades acima da média. São habilidades que vão além de ser bom aluno em matemática ou em português e incluem as expressões artísticas, a capacidade de liderança ou a criatividade. Calcule o que significam 18% num universo de 60 milhões de crianças jovens brasileiros e começará a perceber a dimensão da tragédia. Se virou consenso a afirmação de que o diferencial não só das empresas mas dos países é seu capital humano, a perda de talentos é o mais terrível aborto brasileiro, no qual se eliminam candidatos a Caetano Veloso, Chico Buarque, Adib Jatene, Oscar Niemeyer ou Paulo Autran. Em seu lugar, é mais provável que nasçam tipos como Marcola. Essa troca faz com que o governador Sérgio Cabral tenha uma dose de razão: a falta de planejamento familiar não é, nem de longe, a principal razão da violência (assim como também não é a droga), mas é uma contribuição na produção das "fábricas de marginais". PS - Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) casos de sucesso de alunos pobres com altas habilidades, como o de Danilo Furlan, medalha de ouro nas olimpíadas de matemática e física, ou Marco Aurélio Toledo, que saiu de uma escola pública da periferia e, apoiado, tenta agora estudar em Harvard (EUA). Há também uma pesquisa com esses alunos, com bolsas em escolas privadas, sobre como percebem a educação pública.
gdimen@uol.com.br |
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