São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Uma tristeza e as muitas agitações de 2002

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A perda irreparável de Evandro Lins e Silva marcou com a tristeza o final de 2002. Entre as lições que ele deixou, uma é especial: somos senhores de nosso tempo e devemos, para aproveitá-lo, cumprir bem nosso dever, até o fim. As outras marcas agitaram o ano. A mais importante, em nosso universo jurídico, foi o sucesso da Justiça Eleitoral. Permitiu a livre escolha dos novos governantes da República e dos Estados, de modo organizado, com votação recorde. Foi da solução rápida dos resultados à superação dos pequenos problemas surgidos. Seguiu-se a transição democrática, e, agora, só resta que o Excelentíssimo Senhor Luiz Inácio Lula da Silva se emposse e acompanhe o ex-presidente até a porta, para que tome seu rumo como intelectual de prestígio e de dever cumprido. Bem cumprido.
No pleno internacional, o tema nuclear das discussões jurídicas, em 2002, foi relativo aos efeitos dos atentados de 11 de setembro de 2001. No fim do ano, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, autorizou agentes da CIA a matarem terroristas, onde forem encontrados. A decisão dá origem a questões importantes. O direito nacional do país em que a morte ocorrer será violado e exigirá medidas reparadoras, salvo se seu governo der cobertura à ação. Na guerra clássica, a morte do inimigo é a regra. Na guerra contra o terrorismo não há conflito entre nações, mas luta de agentes dos países mais desenvolvidos contra participantes de organizações que vêem na morte uma forma de felicidade. O papa João Paulo 2º mostrou, em sua oração de Natal, que o combate ao terrorismo não pode dar lugar a excessos que atinjam inocentes.
Na lei brasileira, as medidas provisórias continuaram, por um lado e sem novidade, a agitar o mercado de peixes do sistema jurídico, mesmo com as restrições impostas à sua edição. Por outro lado, a renovada Lei das Sociedades por Ações e a publicação do novo Código Civil agitaram os operadores juristas. A aplicação da codificação civil está assustando os praticantes do direito de empresa, alvo de modificações radicais, além da revogação da parte primeira do Código Comercial.
Outras agitações possíveis não decorrem diretamente do direito. A ciência gerou novos problemas com a reprodução assistida e o anúncio de que a clonagem humana já é realidade. A tradição jurídica no campo da família e das sucessões terá de fazer ajustes aos quais a cidadania deve se preparar. Mudando para o lado da criminalidade, no segundo semestre foram reiteradas as tentativas de modificar a lei dos crimes hediondos, para acolher o critério progressivo das penas, substituindo o cumprimento integral em regime fechado. Não encontraram, fora dos ambientes da técnica jurídica, acolhimento tranquilo.
O congestionamento do Judiciário continuou a se agravar no decorrer do ano. Foi assim em São Paulo e nos tribunais superiores. Sem uma solução para o problema (que não seja a da diminuição dos recursos ou de seu acesso aos tribunais superiores) chegar-se-á a um ponto de estagnação insuportável, de semifalência, que já se poderá caracterizar em 2003. As agitações de 2002, embora grandes, serão um quase nada diante do que nos espera.


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