São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASQUALE CIPRO NETO

Confusões "tremísticas"

Como diz um conhecido locutor, "eu já sabia!". Bastou escrever duas linhas sobre o bendito trema para choverem perguntas a respeito do bem/mal-amado sinalzinho. Só me resta, pois, voltar à questão.
É imperativo repetir, taxativamente: o trema não morreu; o trema não foi eliminado, abolido etc. Essa afirmação responde aos que entraram no site da ABL (Academia Brasileira de Letras) e leram parte(s) do que diz o "Acordo Ortográfico" ou do que se diz sobre ele. Por sinal, quando penso no "Acordo", lembro-me do genial poema "Pneumotórax", de Manuel Bandeira ("A vida inteira que podia ter sido e não foi"). Caros leitores, o "Acordo" não foi, não é e -tudo leva a crer- não será. O "Acordo" não vige.
Vamos ao histórico. Em maio de 1986, no Rio de Janeiro, foi realizado um encontro entre representantes de seis dos sete países que formavam a comunidade lusófona (o representante da Guiné-Bissau não pôde comparecer). O objetivo desse encontro era a formulação de um acordo ortográfico entre os sete países de língua oficial portuguesa.
O filólogo Antônio Houaiss (principal negociador do "Acordo" pelo lado brasileiro) informa em seu livro que trata da questão que "o projeto de 1986 foi considerado muito radical" (eliminavam-se os acentos nas proparoxítonas e paroxítonas). Houaiss informa também que "a forte oposição que criou, sobretudo em Portugal, foi a responsável pelo fracasso desse acordo".
As delegações voltaram a se reunir em outubro de 1990, em Lisboa, e lá elaboraram um novo acordo, que foi aprovado em 12 de outubro e assinado em 16 de dezembro desse mesmo ano.
Na "Base XIV" ("Do trema") do texto oficial do "Acordo", lê-se esta norma: "O trema, sinal de diérese, é inteiramente suprimido em palavras portuguesas ou aportuguesadas". Na verdade, a expressão "inteiramente suprimido" é desmentida nas últimas linhas desse item: "Conserva-se, no entanto, o trema (...) em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros: hübneriano, de Hübner, mülleriano, de Müller, etc.".
Pois bem. A roda começa a pegar no artigo 3º do texto oficial do "Acordo", em que se lê o seguinte: "O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrará em vigor em 1º de janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa". Estamos em 2004, e nada de nada de esses "instrumentos de ratificação" serem depositados. Entendeu, caro leitor, por que o "Acordo" me faz pensar no poema de Manuel Bandeira?
A última edição do "Aurélio" (lançada em 1999), o "Dicionário Houaiss" (lançado em 2001) e a última edição (de 1999) do "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", da ABL, grafam com trema as palavras em que deve haver esse sinal. Pelo site da ABL (www.academia.org.br), é possível consultar o "Vocabulário Ortográfico". Experimente, por exemplo, procurar a palavra "tranquilo" (sem trema). Sabe qual será a resposta? Será esta: "Nenhuma palavra encontrada na pesquisa". Se você digitar "tranqüilo" (com trema), o vocábulo aparece em seguida.
Repito o que escrevi na semana passada: idiossincrasias à parte, cumpri meu papel, o de explicar por que e como se usa (e não se usa) o bendito sinal. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

E-mail - inculta@uol.com.br


Texto Anterior: Universidade pública: Tarso descarta cobrança de mensalidade
Próximo Texto: Trânsito: Volta às aulas deve complicar o tráfego na segunda-feira
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.