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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Genocídio: um conceito jurídico

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

G enocídio é palavra incorporada ao jargão do direito depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), para indicar, no Tribunal de Nuremberg, o comportamento dos nazistas, que mataram milhões de civis. O primeiro passo de sua construção jurídica foi dado pela Assembléia Geral da ONU em 1946, ao afirmar a necessidade de que esse delito fosse punido. Editada em 1948, a convenção internacional destinada à prevenção e à punição do genocídio, como regra de direito internacional público, tornou-se eficaz a partir de 1951, baseada sobretudo em princípios éticos ou morais. A convenção definiu genocídio como a ação intencional destinada a destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, considerado como tal. A definição inclui qualquer conduta que agrave as condições de vida do grupo atingido com o fito de gerar sua destruição física. O crime de genocídio é punível em suas formas consumada ou tentada, bem como pelo incitamento à provocação de seus efeitos.
Diferentemente do que acontece com os delitos comuns, nos quais há vítimas bem caracterizadas, no genocídio são vitimadas populações de nações ou segmentos delas, em espaços e em números que nem sempre são distinguíveis, até porque a violência, uma vez iniciada, alcança pessoas estranhas aos segmentos perseguidos. De outro modo, os autores do genocídio são de identificação complicada. Em Nuremberg, para ficar no exemplo histórico mais evidente, vários acusados disseram-se meros cumpridores de ordens ante as exigências da disciplina militar, proclamando, portanto, sua inocência.
Matar ou ferir o maior número de pessoas, sejam militares, civis, adultos ou crianças, é o primeiro elemento objetivo do genocídio. Outro elemento objetivo é o de agravar as condições de vida dos atingidos, para chegar a tal despojamento de bens e meios, que não sobre para eles nem mesmo a simples esperança de sobrevivência. O modo objetivo de provocar tal situação de aniquilamento tem sido aprimorado com armas de destruição em massa mais eficazes, com mísseis de longo alcance, aviões transportando bombas cada vez mais pesadas e destrutivas. Há poucos dias, o secretário da Defesa dos Estados Unidos se orgulhou da "mãe de todas as bombas", capaz de destruir quarteirões inteiros das cidades atacadas.
No Iraque, é razoável admitir que a dita precisão científica de bombas teleguiadas, apenas sobre alvos militares, não existe. Basta ver as reiteradas destruições entre aviões e tanques dos Estados Unidos e da Inglaterra, pelo que se tem chamado eufemisticamente de "fogo amigo". O fundamento da guerra anunciado por Bush e Blair é o afastamento de Saddam Hussein. Todavia o povo iraquiano tem sido a verdadeira vítima do conflito ante o poderio das forças ofensivas -por terra e, em particular, pelo ar- sem poupar as populações civis, como se tem visto no bombardeio de Bagdá.
A convenção da ONU declara que o genocídio é um crime. Para ser apurado, o direito impõe normas do processo, com o levantamento das provas e a garantia da defesa, sobretudo em tempos de guerra, cuja primeira vítima é a verdade, como se sabe. Essa regra do direito está sob risco ser esquecida agora que se fala na falta de água para as populações urbanas, criando problemas insolúveis, sobretudo se a guerra durar muito. Confirmada a alternativa, correremos o risco de nova espécie do delito: a do genocídio imperial, da força pela força, em relação ao qual nenhum processo e nenhuma punição serão possíveis.


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