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LETRAS JURÍDICAS
Genocídio: um conceito jurídico
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
G enocídio é palavra incorporada ao jargão do direito depois da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), para indicar, no Tribunal de Nuremberg, o
comportamento dos nazistas, que
mataram milhões de civis. O primeiro passo de sua construção jurídica foi dado pela Assembléia
Geral da ONU em 1946, ao afirmar a necessidade de que esse delito fosse punido. Editada em
1948, a convenção internacional
destinada à prevenção e à punição do genocídio, como regra de
direito internacional público, tornou-se eficaz a partir de 1951, baseada sobretudo em princípios
éticos ou morais. A convenção definiu genocídio como a ação intencional destinada a destruir, no
todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso,
considerado como tal. A definição
inclui qualquer conduta que
agrave as condições de vida do
grupo atingido com o fito de gerar
sua destruição física. O crime de
genocídio é punível em suas formas consumada ou tentada, bem
como pelo incitamento à provocação de seus efeitos.
Diferentemente do que acontece com os delitos comuns, nos
quais há vítimas bem caracterizadas, no genocídio são vitimadas populações de nações ou segmentos delas, em espaços e em
números que nem sempre são distinguíveis, até porque a violência,
uma vez iniciada, alcança pessoas estranhas aos segmentos perseguidos. De outro modo, os autores do genocídio são de identificação complicada. Em Nuremberg,
para ficar no exemplo histórico
mais evidente, vários acusados
disseram-se meros cumpridores
de ordens ante as exigências da
disciplina militar, proclamando,
portanto, sua inocência.
Matar ou ferir o maior número
de pessoas, sejam militares, civis,
adultos ou crianças, é o primeiro
elemento objetivo do genocídio.
Outro elemento objetivo é o de
agravar as condições de vida dos
atingidos, para chegar a tal despojamento de bens e meios, que
não sobre para eles nem mesmo a
simples esperança de sobrevivência. O modo objetivo de provocar
tal situação de aniquilamento
tem sido aprimorado com armas
de destruição em massa mais eficazes, com mísseis de longo alcance, aviões transportando bombas
cada vez mais pesadas e destrutivas. Há poucos dias, o secretário
da Defesa dos Estados Unidos se
orgulhou da "mãe de todas as
bombas", capaz de destruir quarteirões inteiros das cidades
atacadas.
No Iraque, é razoável admitir
que a dita precisão científica de
bombas teleguiadas, apenas sobre
alvos militares, não existe. Basta
ver as reiteradas destruições entre
aviões e tanques dos Estados Unidos e da Inglaterra, pelo que se
tem chamado eufemisticamente
de "fogo amigo". O fundamento
da guerra anunciado por Bush e
Blair é o afastamento de Saddam
Hussein. Todavia o povo iraquiano tem sido a verdadeira vítima
do conflito ante o poderio das forças ofensivas -por terra e, em
particular, pelo ar- sem poupar
as populações civis, como se tem
visto no bombardeio de Bagdá.
A convenção da ONU declara
que o genocídio é um crime. Para
ser apurado, o direito impõe normas do processo, com o levantamento das provas e a garantia da
defesa, sobretudo em tempos de
guerra, cuja primeira vítima é a
verdade, como se sabe. Essa regra
do direito está sob risco ser esquecida agora que se fala na falta de
água para as populações urbanas, criando problemas insolúveis, sobretudo se a guerra durar
muito. Confirmada a alternativa,
correremos o risco de nova espécie
do delito: a do genocídio imperial,
da força pela força, em relação ao
qual nenhum processo e nenhuma punição serão possíveis.
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