São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

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MOACYR SCLIAR

A arte e o elefante


A casa em que iria residir era simpática e ficava ao lado de um centro que dava abrigos para elefantes

Centenas de elefantes tailandeses, antes imprescindíveis nas plantações, mudaram de "emprego" e agora pintam telas destinadas a turistas; algumas das obras chegaram a ser negociadas pela Christie's, uma das mais importantes casas de leilões de arte do mundo. Em 1989, após a proibição da poda de árvores na Tailândia, trabalho em que eram usados os elefantes, as autoridades foram obrigadas a buscar uma ocupação alternativa para os animais, e pensaram na arte. O Centro de Conservação de Elefantes de Lampang criou a academia de arte para paquidermes em 1998, quando comprovou o êxito dos "artistas", que são para isso adestrados por seus guias. Folha Online

DESDE a infância, ele tinha um sonho: queria ser pintor. As pessoas diziam que possuía razoável talento, e à pintura se dedicava com muito afinco, mas os resultados eram desanimadores: ninguém comprava seus quadros.
Ninguém ia às exposições que ele, com muito sacrifício, organizava. Nenhum crítico mencionava seus trabalhos.
Felizmente não chegava a passar fome. Trabalhava como técnico numa indústria têxtil, ganhava bem, e era conhecido pela competência.
Tão conhecido, aliás, que frequentemente recebia propostas do exterior. Finalmente aceitou uma delas, feita por uma grande empresa tailandesa. A isso moveram-no vários motivos. Em primeiro lugar tinha um fascínio pelo Oriente e pela arte oriental em particular. Depois, seria muito bem pago. Por ultimo, mas não menos importante, estava chateado com o Brasil, país que não reconhecia seus méritos artísticos.
Foi, pois. E ficou encantado com o lugar em que iria viver e trabalhar.
Era uma pequena e pitoresca cidade; os habitantes eram pessoas amáveis e acolhedoras. A casa em que iria residir era simpática, confortável; e detalhe surpreendente ficava ao lado de um centro que dava abrigos para elefantes. Elefantes! Desde a infância sentia-se fascinado por esses animais que, no entanto, só vira em circos. Agora, no entanto, conviveria com eles diariamente. E certamente os usaria como inspiração para seus quadros. E de imediato ocorreu-lhe uma ideia brilhante: pintaria um autorretrato ao lado de um dos paquidermes. Obra original, que certamente atrairia a atenção da crítica e poderia consagrá-lo.
Falou com o encarregado do centro, que ficou encantado: os elefantes ali também eram artistas, também pintavam. Seria, portanto, um encontro de artistas, de almas irmãs.
De imediato deu início à obra. Inspirado, sentia que aquela seria sua grande obra e trabalhava com entusiasmo inusitado.
Poucos dias depois o encarregado do centro veio procurá-lo para lhe dar uma insólita notícia. O elefante também estava pintando. Por incrível coincidência era um autorretrato ao lado do visitante. Ele correu para ver a pintura.
E teve um choque. Era exatamente igual à sua: um homem ao lado de um elefante, num caso, um elefante ao lado de um homem, no outro. Iguais, iguais.
Seu quadro, como sempre, não teve qualquer repercussão. O quadro pintado pelo elefante, porém, foi vendido a um colecionador por um milhão de dólares, fato que aliás a teve ampla repercussão.
Desse trauma não se livrará nunca. Ele é como os elefantes, que não esquecem jamais.


MOACYR SCLIAR escreve nesta página, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha.

moacyr.scliar@uol.com.br


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