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MOACYR SCLIAR
A arte e o elefante
A casa em que iria residir
era simpática e ficava ao lado de um centro que dava abrigos para elefantes
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Centenas de elefantes tailandeses, antes
imprescindíveis nas plantações, mudaram de "emprego" e agora pintam telas
destinadas a turistas; algumas das obras
chegaram a ser negociadas pela Christie's, uma das mais importantes casas de
leilões de arte do mundo. Em 1989, após
a proibição da poda de árvores na Tailândia, trabalho em que eram usados os elefantes, as autoridades foram obrigadas a
buscar uma ocupação alternativa para os
animais, e pensaram na arte. O Centro de
Conservação de Elefantes de Lampang
criou a academia de arte para paquidermes em 1998, quando comprovou o êxito
dos "artistas", que são para isso adestrados por seus guias. Folha Online
DESDE a infância, ele tinha um
sonho: queria ser pintor. As
pessoas diziam que possuía
razoável talento, e à pintura se dedicava com muito afinco, mas os resultados eram desanimadores: ninguém comprava seus quadros.
Ninguém ia às exposições que
ele, com muito sacrifício, organizava. Nenhum crítico mencionava
seus trabalhos.
Felizmente não chegava a passar
fome. Trabalhava como técnico numa indústria têxtil, ganhava bem, e
era conhecido pela competência.
Tão conhecido, aliás, que frequentemente recebia propostas do exterior. Finalmente aceitou uma delas,
feita por uma grande empresa tailandesa. A isso moveram-no vários
motivos. Em primeiro lugar tinha
um fascínio pelo Oriente e pela arte
oriental em particular. Depois, seria
muito bem pago. Por ultimo, mas
não menos importante, estava chateado com o Brasil, país que não reconhecia seus méritos artísticos.
Foi, pois. E ficou encantado com o
lugar em que iria viver e trabalhar.
Era uma pequena e pitoresca cidade; os habitantes eram pessoas amáveis e acolhedoras. A casa em que
iria residir era simpática, confortável; e detalhe surpreendente ficava
ao lado de um centro que dava abrigos para elefantes. Elefantes! Desde
a infância sentia-se fascinado por
esses animais que, no entanto, só vira em circos. Agora, no entanto, conviveria com eles diariamente. E certamente os usaria como inspiração
para seus quadros. E de imediato
ocorreu-lhe uma ideia brilhante:
pintaria um autorretrato ao lado de
um dos paquidermes. Obra original,
que certamente atrairia a atenção da
crítica e poderia consagrá-lo.
Falou com o encarregado do centro, que ficou encantado: os elefantes ali também eram artistas, também pintavam. Seria, portanto, um
encontro de artistas, de almas irmãs.
De imediato deu início à obra. Inspirado, sentia que aquela seria sua
grande obra e trabalhava com entusiasmo inusitado.
Poucos dias depois o encarregado
do centro veio procurá-lo para lhe
dar uma insólita notícia. O elefante
também estava pintando. Por incrível coincidência era um autorretrato ao lado do visitante.
Ele correu para ver a pintura.
E teve um choque. Era exatamente
igual à sua: um homem ao lado
de um elefante, num caso, um
elefante ao lado de um homem, no
outro. Iguais, iguais.
Seu quadro, como sempre, não
teve qualquer repercussão. O quadro pintado pelo elefante, porém,
foi vendido a um colecionador por
um milhão de dólares, fato que aliás
a teve ampla repercussão.
Desse trauma não se livrará nunca. Ele é como os elefantes, que não
esquecem jamais.
MOACYR SCLIAR escreve nesta página, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na
Folha.
moacyr.scliar@uol.com.br
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