São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

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EPIDEMIA INVISÍVEL
Pesquisas inéditas mostram que 20% dos alunos de escolas públicas apresentam sintomas depressivos
Depressão leva crianças ao suicídio

GILBERTO DIMENSTEIN
do Conselho Editorial

MARCELO OLIVEIRA
da Reportagem Local

Arquivos dos prontos-socorros, hospitais psiquiátricos e centros de intoxicação brasileiros revelam o crescimento das tentativas de suicídio entre crianças e jovens.
Há registros de crianças de apenas 4 anos que apelaram para facas, enforcamento, medicamentos ou produtos de limpeza para tentar se matar.
Drama desconhecido pelos pais, professores e até médicos, fora da agenda de saúde do Brasil, as tentativas de suicídio são uma das indicações do aumento dos sintomas da depressão- uma das responsáveis pelo abuso do consumo de drogas e bebidas.
Ninguém consegue calcular ao certo o tamanho do problema. São poucos os centros oficiais que registram o fenômeno, pais mentem para os hospitais, envergonhados com a drama familiar ou para garantir o pagamento dos gastos hospitalares pelo seguro.
Consequência direta do preconceito e da desinformação, não são conhecidos os mais elementares sinais capazes de indicar distúrbios. As vítimas são apontadas por pais e professores como indisciplinadas, preguiçosas ou apáticas.
São punidas pelos pais e pela escola, agravando a sensação de isolamento e desamparo. A tentativa de suicídio é, na maioria das vezes, um pedido extremo de socorro.
"A sociedade fecha os olhos", diz Sônia Friedrich, uma das primeiras psiquiatras a estudar o suicídio infantil no Brasil.
As tentativas de suicídio são a porta para o suicídio. A literatura psiquiátrica aponta seis tentativas de suicídio para cada caso fatal.
Pesquisas inéditas, obtidas pela Folha, mostram que foram encontradas em escolas públicas 20% dos estudantes com sintomas depressivos. Sintomas que, se não forem tratados, tendem a danificar o rendimento escolar, impedir a entrada no mercado de trabalho, condenando o individuo à marginalização.
Psiquiatras da USP (Universidade de São Paulo) detectaram uma escola, onde, nos 30 dias anteriores à investigação, 50% dos alunos haviam consumido álcool e 30%, drogas.
No Rio, pesquisa coordenada pelo professor Antonio Egidio Nardi, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), mostra que cresceu 50% nos últimos dois anos a procura de crianças e adolescentes em busca de tratamento para a depressão.
O Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, da Fundação Instituto Osvaldo Cruz, no Rio, registra desde 1993 um aumento de tentativas de suicídio por uso de medicamentos e produtos tóxicos. Foram 7.965 casos em 93, contra 12.923 em 96.
As vítimas de depressão são estigmatizadas e não encaradas como doentes a serem cuidados, presas do desespero levado ao limite. O tabu apenas facilita que a doença se agrave, retardando o tratamento ou permitindo o seu início quando já é tarde demais.
Está provado, como mostram os testemunhos colhidos pela Folha para esta reportagem, que o tratamento funciona e as pessoas voltam a trabalhar e a estudar.




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