São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

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"Eu me achava um monstro"

do Conselho Editorial

A primeira vez foi um corte no pulso esquerdo, com um canivete, desses tipo suíço. Estava sozinho no quarto, foi socorrido pela mãe e levado ao pronto-socorro. Causa oficial do corte: acidente no vidro de uma janela.
Quando chegou ao pronto-socorro, estava apático. "Lembro que gaguejava, as idéias pulavam de um canto para a outro, tudo parecia sem sentido", recorda-se, mostrando a marca no pulso.
Pouco antes da tentativa de suicídio, teve uma crise de remorso. "Eu me achava um monstro, só causava problema, era um estorvo. Os problemas pareciam uma bola de neve, não via perspectiva de sair daquilo", recorda T.Z.
Os pais cobravam que o filho levasse uma vida "normal". E repetiam frases comuns nessas situações -"a gente fez tudo por você", "eu me sacrifico tanto", "você está fazendo sua mãe sofrer".
"Nada me satisfazia, nada me acalmava. Eu me trancava no quarto, ligava a televisão e sequer conseguia me fixar na tela."
Acabou saindo da faculdade. "Sentia como se não tivesse controle sobre a vida. É como carros que, nos filmes, alguém quebra o breque e o sujeito vai descendo desgovernado pela estrada."
Sozinho, sempre analisava as vantagens da morte: "A única coisa que poderia acabar com tanta aflição é a morte, era o que eu sempre pensava".
Poucos dias depois do corte no pulso, foi mais longe. Tomou produtos de limpeza, misturou com os remédios que encontrou pela frente e, mais uma vez, acabou no pronto-socorro.
Os pais acharam que deveria ir ao psiquiatra. Os antidepressivos começaram a fazer efeito. A terapia ajudou-o a desfazer fantasmas.
Viu na natação um jeito de cuidar do corpo e sentir-se melhor. Descobriu um novo prazer e, hoje, nada religiosamente todas as semanas. "Aprendi a sorrir."
Saiu da faculdade que o irritava, escolheu um curso em que pudesse mexer com a natureza.
"Sei que não estou curado, mas ao menos não me sinto fora de controle. Já consigo estudar. As notas ainda não estão ótimas, mas acima de "regular'." (GD)


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