São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

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EPIDEMIA INVISÍVEL 2
Doença pode afetar 20% de estudantes

do Conselho Editorial e da Reportagem Local Um em cada cinco alunos de escolas brasileiras pode estar com sintomas de depressão. A falta de tratamento afeta o rendimento escolar, dificulta a entrada no mercado de trabalho e joga o indivíduo na marginalidade e na violência.
A depressão está por trás não apenas de tentativas de suicídio, mas também de indisciplina crônica, abuso de drogas e álcool. Por falta de informação, professores, em vez de tratar o problema, punem os alunos pelo mau comportamento.
As indicações estão presentes em dois estudos inéditos obtidos pela Folha, envolvendo uma amostragem de 1.779 alunos, realizados em três escolas de São Paulo.
Psiquiatras de São Paulo estudaram por um ano o comportamento de 579 crianças de 7 a 12 anos, alunas da primeira à quarta série de duas escolas públicas da Grande São Paulo, em Mairiporã e Franco da Rocha.
Após aplicarem um questionário de 27 perguntas às crianças, constataram que 122 (20%) delas apresentavam sinais de depressão.
A psiquiatra Eliana Curatolo, autora da pesquisa, realizada em 96, está elaborando sua tese de mestrado sobre depressão na infância com os dados obtidos nas escolas.
Segundo a médica, tanto as crianças, bem como pais e professores, não percebem os sintomas da depressão.
"O deprimido não percebe o que tem ou não sabe expressar o que sente. E o professor não tem informações para encaminhar o aluno para tratamento e, devido ao baixo rendimento, coloca a criança numa classe especial, por exemplo", explica Eliana.
O trabalho prova também a importância do diagnóstico precoce, já que a maioria das 50 crianças que evoluíram para tratamento foram curadas sem medicação. "A maioria foi tratada com terapia de grupo e ficou bem", afirma Eliana.
Segundo ela, os casos tratados não evoluíram para tentativas de suicídio.
Após receber o tratamento, um menino de 11 anos comemorou o dia em que saiu da classe especial (turma de alunos com aprendizado mais lento do que o normal).
"Ele dizia: "Este é o melhor dia da minha vida'. Foi muito gratificante ouvir isso", lembra Eliana.
A menina M.C.K.F., na época com 8 anos, dizia que não tinha amigos, que era feia, tinha medo de tudo e tentou se matar pelo menos duas vezes -usando uma faca e atirando-se do alto de uma escada, minutos antes da consulta com a psiquiatra.
Após ser tratada com medicamentos, M. parou de brigar com a irmã mais nova, começou a fazer amizades e melhorou.
Eliana, a psiquiatra Soraia Canasiro, que realizou trabalho semelhante com adolescentes, em Franco da Rocha, e Sônia Friedrich, orientadora de ambas, acreditam que, se pesquisa semelhante fosse aplicada em todas as escolas, os números alcançados seriam semelhantes.
"Daí a importância de começar um trabalho de esclarecimento de pais, professores e pediatras, educando-os para o problema", afirma Eliana.
Projeto semelhante está sendo realizado pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
Coordenada por Wagner Gattaz, chefe do departamento, a pesquisa escolheu uma escola pública com 1.200 alunos. A fase inicial já detectou graves distúrbios.
Dos entrevistados, 50% admitiram ter ingerido bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias; 30% dos pesquisados usaram algum tipo de droga no mesmo período.
"É muito alto, considerando que falamos com crianças de 12 anos", analisa Wagner Gattaz.
Os primeiros dados levantam a suspeita de que o fenômeno não é restrito à escola e revela sintomas de depressão e ansiedade. "Drogas e bebidas são recursos utilizados para aliviar crises emocionais", sustenta Gattaz.
O trabalho prossegue, agora, no tratamento dos alunos e educação dos professores da escola. Em quatro anos, os pesquisadores vão fazer novo diagnóstico para avaliar como se alteraram o consumo de drogas e bebidas.
(GILBERTO DIMENSTEIN e MARCELO OLIVEIRA)



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