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EPIDEMIA INVISÍVEL 2
Doença pode afetar
20% de estudantes
do Conselho Editorial e
da Reportagem Local
Um em cada cinco alunos de escolas brasileiras pode estar com sintomas de depressão. A falta de tratamento afeta o rendimento escolar, dificulta a entrada no mercado
de trabalho e joga o indivíduo na
marginalidade e na violência.
A depressão está por trás não
apenas de tentativas de suicídio,
mas também de indisciplina crônica, abuso de drogas e álcool. Por
falta de informação, professores,
em vez de tratar o problema, punem os alunos pelo mau comportamento.
As indicações estão presentes em
dois estudos inéditos obtidos pela
Folha, envolvendo uma amostragem de 1.779 alunos, realizados
em três escolas de São Paulo.
Psiquiatras de São Paulo estudaram por um ano o comportamento de 579 crianças de 7 a 12 anos,
alunas da primeira à quarta série
de duas escolas públicas da Grande São Paulo, em Mairiporã e
Franco da Rocha.
Após aplicarem um questionário
de 27 perguntas às crianças, constataram que 122 (20%) delas apresentavam sinais de depressão.
A psiquiatra Eliana Curatolo,
autora da pesquisa, realizada em
96, está elaborando sua tese de
mestrado sobre depressão na infância com os dados obtidos nas
escolas.
Segundo a médica, tanto as
crianças, bem como pais e professores, não percebem os sintomas
da depressão.
"O deprimido não percebe o que
tem ou não sabe expressar o que
sente. E o professor não tem informações para encaminhar o aluno
para tratamento e, devido ao baixo rendimento, coloca a criança
numa classe especial, por exemplo", explica Eliana.
O trabalho prova também a importância do diagnóstico precoce,
já que a maioria das 50 crianças
que evoluíram para tratamento foram curadas sem medicação. "A
maioria foi tratada com terapia de
grupo e ficou bem", afirma Eliana.
Segundo ela, os casos tratados
não evoluíram para tentativas de
suicídio.
Após receber o tratamento, um
menino de 11 anos comemorou o
dia em que saiu da classe especial
(turma de alunos com aprendizado mais lento do que o normal).
"Ele dizia: "Este é o melhor dia da
minha vida'. Foi muito gratificante ouvir isso", lembra Eliana.
A menina M.C.K.F., na época
com 8 anos, dizia que não tinha
amigos, que era feia, tinha medo
de tudo e tentou se matar pelo menos duas vezes -usando uma faca
e atirando-se do alto de uma escada, minutos antes da consulta com
a psiquiatra.
Após ser tratada com medicamentos, M. parou de brigar com a
irmã mais nova, começou a fazer
amizades e melhorou.
Eliana, a psiquiatra Soraia Canasiro, que realizou trabalho semelhante com adolescentes, em
Franco da Rocha, e Sônia Friedrich, orientadora de ambas, acreditam que, se pesquisa semelhante
fosse aplicada em todas as escolas,
os números alcançados seriam semelhantes.
"Daí a importância de começar
um trabalho de esclarecimento de
pais, professores e pediatras, educando-os para o problema", afirma Eliana.
Projeto semelhante está sendo
realizado pelo Departamento de
Psiquiatria da Universidade de
São Paulo.
Coordenada por Wagner Gattaz,
chefe do departamento, a pesquisa
escolheu uma escola pública com
1.200 alunos. A fase inicial já detectou graves distúrbios.
Dos entrevistados, 50% admitiram ter ingerido bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias; 30% dos
pesquisados usaram algum tipo de
droga no mesmo período.
"É muito alto, considerando que
falamos com crianças de 12 anos",
analisa Wagner Gattaz.
Os primeiros dados levantam a
suspeita de que o fenômeno não é
restrito à escola e revela sintomas
de depressão e ansiedade. "Drogas
e bebidas são recursos utilizados
para aliviar crises emocionais",
sustenta Gattaz.
O trabalho prossegue, agora, no
tratamento dos alunos e educação
dos professores da escola. Em
quatro anos, os pesquisadores vão
fazer novo diagnóstico para avaliar como se alteraram o consumo
de drogas e bebidas.
(GILBERTO DIMENSTEIN e MARCELO
OLIVEIRA)
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