São Paulo, domingo, 29 de março de 1998

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REVISTA
Traídas dão a volta por cima

DEBORAH GIANNINI E
LAVÍNIA FÁVERO
da Revista

No meio de uma discussão, ele confessa o que, no fundo, ela já sabia: "Eu tive um caso com a sua melhor amiga". Foram duas vezes ao motel, é o que ele diz. Ela chora, arrasada. Apesar de parecer cena da novela "Por Amor" -que, até agora, tem cinco mulheres casadas traídas pelo marido-, a história aconteceu na "vida real" com a psicóloga Blanca Leonor Barrial, 43, no quinto ano do seu primeiro casamento.
"Quase enlouqueci. Senti a perda da confiança, do amor e da amizade. Eu me perguntava: por que fizeram isso comigo?". Mesmo assim, ficaram juntos por mais 11 anos, até que houve outra traição e o casamento acabou.
Por mais desanimador que possa parecer, os casamentos hoje não são muito diferentes dos que aparecem na tela da Globo. Em uma pesquisa Datafolha, feita em novembro passado, 22 homens de cada 100 disseram ter relações sexuais com outras pessoas além da parceira fixa. Entre as mulheres, esse número cai para cinco.
A questão do adultério está em pauta não só por aparecer em horário nobre: uma reformulação no Código Penal prevista para entrar em vigor no final de 1999 pode acabar com os crimes de adultério e bigamia -quem trair o cônjuge ou se casar duas vezes não poderá mais ser preso.
"Quando não existia divórcio e o casamento era indissolúvel, esses crimes faziam sentido. Hoje, o Código Penal deve versar sobre coisas mais graves", defende o advogado Ney Moura Teles, um dos consultores da Comissão da Reforma do Código Penal.
Além da discussão legal, a traição levanta uma questão complicada, para a qual não há resposta certa: desculpar e tentar salvar o casamento ou acabar com tudo?

Sem independência
"Muitas mulheres aceitam os casos do marido porque não têm independência econômica, se omitem na relação, pensando que isso é tudo que podem almejar na vida. Outras se importam com estabilidade, poder econômico, com o status que o marido tem. Outras ainda são acomodadas, não querem mexer na família", avalia a psicanalista Magdalena Ramos, coordenadora do Núcleo de Terapia de Casal e Família da PUC-SP.
A auxiliar de serviços gerais Ana Lúcia, 36, surpreendeu o marido na sua cama com a empregada há cinco anos e, mesmo assim, não se separou. "Nem sei se gosto dele. Acho que é mais por acomodação. Tenho medo de ficar sozinha."
Para Blanca, foi o amor que lhe fez continuar mais 11 anos ao lado do marido infiel. "Na época, eu achava que o amava e tinha de investir. Para mim, estava tudo bem, eu trabalhava, tinha um filho e não tinha sonhos maiores", lembra.
Nesses casos, o mais difícil é perdoar de fato o parceiro. "Descobri depois que não tinha conseguido perdoar. Foi quando senti necessidade de traí-lo também", diz Blanca, que teve um caso com um amigo, contou para o marido e saiu de casa. Houve uma segunda reconciliação, que durou cinco anos, mas não deu certo.

Lua-de-mel
Mesmo depois de descobrir que seu marido sustentava uma garota de programa, a empresária Heloísa, 32, tentou refazer o casamento: "Fui viajar para o exterior, fiz uma segunda lua-de-mel, mas o divórcio veio nove meses depois, inevitável. É como um vidro que se parte: você pode até colá-lo, mas ele nunca volta a ser a mesma coisa."
Nem todas as mulheres, porém, têm sangue frio suficiente para tentar salvar o casamento. Apenas quatro meses depois de ter subido ao altar, a professora de inglês Isabelle, 22, descobriu que estava sendo traída. "Eu desconfiei e ele confessou que tinha se apaixonado por outra pessoa antes de a gente se casar", conta.
Isabelle pediu logo o divórcio. "Não conseguiria ser feliz. Antes de amá-lo, eu me amo. Acho que as mulheres se esquecem disso, se anulam completamente. Quando você se separa numa situação dessas, é como se libertar de um pesadelo. É começar a viver."
A dona-de-casa Maria, 35, também foi inflexível e não se arrepende. Ela descobriu que o marido, além de ter duas amantes, era dono da empresa em que trabalhava. "Ele me dava R$ 400 por mês para manter a casa e os nossos dois filhos. Se não tivesse contratado um detetive, jamais teria ficado sabendo que ele tinha uma frota de 40 ônibus", conta.
Ela entrou com um pedido de separação sem que ele soubesse e hoje só fala com o ex por meio do advogado.
Mesmo quando a separação acontece, é difícil desligar-se do ex e mudar de vida. A comerciante Nanci Fiori da Silva, 52, monitorou durante três anos a vida do seu ex-marido com a "garota de 32 anos que ele arranjou". "Eu ligava para a casa dela e dizia para a empregada que era uma amiga", conta Nanci, que ficou casada durante 30 anos. Mas ele não voltou para casa e, até hoje, ela espera uma reconciliação.
A gerente de promoções Maria Helena Fittipaldi, 49, ex-mulher do bicampeão de F-1 Emerson Fittipaldi, diz: "É muito dolorido e decepcionante saber que seu marido está interessado por outra pessoa". Ela descobriu, por uma nota de jornal, que o piloto estava saindo com Teresa -que, 15 anos depois, virou sua mulher. "Nosso relacionamento já estava desgastado, mas, mesmo assim, fiquei magoada, porque ele podia ter me contado. Quando ele viu o jornal, desmentiu, disse que tinha sido coincidência. Só assumiu quando realmente percebeu que a separação era inevitável."
Negar até a morte é praxe dos maridos. "Descobri por um detetive que meu marido me traía havia dois anos com uma grande amiga. Entrei com pedido de divórcio e apresentei as fotos como prova. No dia da audiência, ele ainda tentou desmentir. Só parou quando o próprio juiz disse: "Mas não é o senhor aqui nesta foto, abraçado com essa moça?'", conta a advogada Flávia, 29.
As maneiras de descobrir variam: telefonemas estranhos, um marido distante, o expediente sempre esticado no trabalho, reuniões inesperadas, viagens sem justificativa e, principalmente, "intuição".
"A mulher sabe, porque instinto feminino é fogo", garante Maria Helena. O detetive particular Eloy de Lacerda, confirma: "Os homens são mais paranóicos. Já a mulher raramente se engana. Na maioria dos casos, sempre acabamos chegando às provas. Infelizmente", diz .
Nanci descobriu as escapadas do marido rastreando as ligações do seu celular. Pegou a conta e foi ligando para cada número, mas, depois, não teve coragem de enfrentar o marido. "Aguentei durante muito tempo, até que um dia estourei", diz.
A atriz Vera Holtz, a Sirléia de "Por Amor", conta que sua primeira reação em uma situação como essa é tentar parecer "superior". "Uma vez fui viajar e quando voltei ele disse que estava apaixonado por outra pessoa. Na mesma hora, eu inventei que também tinha alguém. Sempre fui assim, de mascarar a situação, fingir que não me importo", diz.
A atriz acredita que "não dá para impedir uma pessoa de se apaixonar". "Faz parte da natureza humana. Querer brecar isso é como tentar segurar um vulcão. Quando acontece, logo questiono o meu comportamento na relação."
Blanca não concorda. "Ele dizia que a traição foi inevitável, e eu acreditei na época. Hoje acho que atração não é incontrolável, você deixa acontecer. Uma pessoa é ótima companhia, outra tem lindos olhos verdes, aquela é superinteligente. Se eu for dar vazão a todos os meus encantamentos, não paro mais", diz.
Para a psicanalista Magdalena, a traição não acontece por acaso: "A infidelidade não é causa, é consequência. Quando um casal está funcionando mal, insatisfeito, essa é uma via frequente para querer ter outro relacionamento, onde você procura o que não está encontrando dentro do casamento."
Não foi o que aconteceu no caso de Blanca: "Você pode ser uma excelente esposa, mas isso não garante nada. Se tiver de acontecer, vai acontecer", diz.



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