São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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MENINAS DE ALUGUEL

Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados investiga rede que opera na PB e no RN

Descoberta nova rota de sexo no Nordeste

Marcus Antonius/Folha Imagem
Maria, que vive perto do local de pernoite de caminhoneiros


GABRIELA ATHIAS
ENVIADA ESPECIAL A PATOS (PB)

Desconfiado dos longos sumiços da filha Rosana*, 15, o comerciante João Ricardo, 46, passou a segui-la. Descobriu que ela estava se prostituindo e encontrou indícios do que julgou ser uma rede de prostituição. Ele estava perto de descobrir uma nova rota de sexo envolvendo menores.
Durante dois meses, o comerciante ouviu conversas da filha com outras garotas e com aliciadores. Percebeu que a exploração de menores não se restringia a Patos, cidade a 350 km de João Pessoa, a capital paraibana.
Com base nas informações de João Ricardo, a Delegacia da Mulher da cidade prendeu sete pessoas acusadas de aliciamento (duas das quais em flagrante) e localizou 13 adolescentes, entre 13 e 17 anos, que vinham sendo exploradas havia pelo menos um ano.
A nova rota de prostituição de menores inclui Patos, Campina Grande e João Pessoa, na Paraíba, e Natal, no Rio Grande do Norte.
A delegada Joana D'Arc Barboza explica que, das 13 meninas, pelo menos cinco passaram pela Granja do Gaúcho -uma das casas de prostituição mais famosas de João Pessoa- e indicaram a Ilha da Fantasia, em Natal, como sendo o ponto final da rota.
O envio de meninas seria feito, segundo a polícia e a Promotoria, pelo cabeleireiro Willames Honório de Souza, 31, que responde às acusações em liberdade e nega participação no crime.
Fazer sexo com uma adolescente dessa rede custa no mínimo R$ 50 e no máximo R$ 150. "Aqui as meninas que fazem "babado" (programa) têm de ser novinhas. Para ficar com "velha", os homens ficam com as de casa mesmo", diz Eliane, 14, uma das meninas.
No rol de clientes da rede citados pelas menores, figuram políticos, juízes e comerciantes de Patos e das redondezas.
Em Patos (onde há 91 mil habitantes, incluindo a zona rural), a Folha esteve em um dos pontos de prostituição de rua revelados por Vanusa, 16, uma das menores integrantes da rede.
O ponto funciona em um dos locais mais movimentados da cidade, a praça da Alimentação -um aglomerado de quiosques que vendem comida e bebida.

Comissão da Câmara
A Folha acompanhou a negociação de um funcionário público que se fingiu de cliente para comprovar o esquema de prostituição. Ele agiu a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que estava na cidade investigando a rota.
Um moto-taxista ofereceu o serviço de meninas ao funcionário. Eles marcaram um encontro às 22h30 na praça da Alimentação, quando o moto-taxista traria três meninas "bem novinhas" para que ele escolhesse uma.
O moto-taxista compareceu ao encontro sozinho e explicou que havia gente estranha na cidade, investigando o "babado" com menores. Por isso as meninas estariam receosas. A negociação foi acompanhada por dois policiais federais que faziam a segurança dos membros da comissão que estavam em Patos.
"Os policiais aqui de Patos não enxergam direito", disse Vanusa, que começou a fazer programa aos 13, comentando o fato de meninas tão novas fazerem ponto em ruas movimentadas.
A prostituição infantil é considerada uma das piores formas de exploração pelas organizações internacionais de direitos humanos.
O governo federal tem programas de combate ao turismo sexual, que envolve crianças e adolescentes em Recife (PE) e Fortaleza (CE). A recém-descoberta "rota de Patos" comprova suspeitas levantadas em 1997, quando foram feitas as primeiras denúncias de prostituição infantil no Estado da Paraíba.
A diferença é que, há cinco anos, os casos de exploração sexual de menores -que foram alvo de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) estadual- ocorriam de forma isolada em Patos, Campina Grande, Boqueirão, João Pessoa e cidades próximas à capital. Na ocasião, o cabeleireiro Souza já era considerado suspeito, mas a polícia ainda não tinha informações sobre a existência de uma rede organizada.
Em agosto, começaram a surgir os primeiros indícios de que, nos últimos anos, a exploração sexual de menores se profissionalizou na Paraíba, especialmente no eixo Patos-Campina Grande.
A menor Ane, 16, aliciada aos 11 anos em Campina Grande (a 139 km de João Pessoa), cansou do esquema a que era submetida e resolveu denunciá-lo ao promotor local, em julho passado.
Relatou que havia uma rede de aliciadores encarregada de arrumar meninas entre 12 e 15 anos para o que chamou de "figurões": políticos, empresários e juízes.
Ane revelou o esquema de uma mulher, citada como Joseísa, que agenciava menores para trabalhar em um bar em Recife.
As meninas eram levadas em vans, que tinham como ponto de partida o centro da cidade de Campina Grande. Ane contou que, de Recife, meninas foram enviadas para a Europa para trabalhar como prostitutas.
Após as denúncias, Joseísa foi presa. Na cadeia, ela foi visitada por seis advogados dos maiores escritórios de Campina Grande.
A prisão de Joseísa foi revogada. Ane e até mesmo a mãe do promotor sofreram ameaças de morte. A menina foi incluída no programa de proteção a testemunhas do governo federal em agosto passado, por intermédio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
A conexão Paraíba começou a ficar clara em janeiro, após as denúncias de João Ricardo, quando as menores de Patos começaram a prestar depoimento na polícia e algumas foram ameaçadas.
Até a semana passada, a polícia ainda não havia feito buscas na Granja do Gaúcho, apontada como ponto importante da rota. O promotor de Justiça João Manoel de Carvalho Filho, que denunciou os aliciadores de Patos, diz que não há um combate efetivo à prostituição infantil no Estado.

Barreiras
Um dos entraves às investigações é justamente o suposto envolvimento de autoridades com menores de até 14 anos.
Para aprovar o relatório da CPI da Prostituição realizada em 1997, o relator, o deputado estadual Luiz Couto (PT), foi obrigado a suprimir 33 das 99 páginas. O material eliminado identificava nomes de políticos, empresários e juízes que teriam praticado sexo com menores. As páginas indicavam também os locais onde as práticas teriam ocorrido.
As informações da CPI provocaram um inquérito policial que acabou arquivado após o depoimento das menores, quando elas identificaram os seus clientes.
O deputado estadual ainda responde a sete processos judiciais por calúnia e difamação em razão de ter divulgado na íntegra o relatório na internet.
Para diminuir esse tipo de pressão e dar visibilidade nacional à "rota de Patos", no último dia 20 o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Orlando Fantazini (PT-SP), organizou uma audiência pública em Patos para que as menores envolvidas na rede formalizassem as denúncias para uma instituição federal.
Quase todas as meninas, ouvidas na Câmara Municipal, informaram ter feito programa com dois vereadores da cidade.


(*) Os nomes das menores e de seus parentes são fictícios

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