São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MENINAS DE ALUGUEL

Um dos entraves às investigações é o suposto envolvimento de autoridades com garotas de até 14 anos

Rota indica que exploração é profissional

ENVIADA ESPECIAL A PATOS (PB)

A Folha acompanhou a negociação de um funcionário público que se fingiu de cliente para comprovar o esquema de prostituição. Ele agiu a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que estava em Patos investigando a rota.
Um moto-taxista da cidade ofereceu o serviço de meninas ao funcionário. Eles marcaram um encontro às 22h30 na praça da Alimentação, quando o moto-taxista traria três garotas "bem novinhas" para a escolha.
O moto-taxista compareceu ao encontro sozinho e explicou que havia gente estranha na cidade, investigando o "babado" com menores. Por isso as meninas estariam receosas.
"Os policiais aqui de Patos não enxergam direito", disse Vanusa, que começou a fazer programa aos 13, comentando o fato de meninas tão novas fazerem ponto em ruas movimentadas.
A prostituição infantil é considerada uma das piores formas de exploração pelas organizações internacionais de direitos humanos.
O governo federal tem programas de combate ao turismo sexual, que envolve crianças e adolescentes em Recife (PE) e Fortaleza (CE). A recém-descoberta "rota de Patos" comprova suspeitas levantadas em 1997, quando foram feitas as primeiras denúncias de prostituição infantil no Estado da Paraíba.
A diferença é que, há cinco anos, os casos de exploração sexual de menores -que foram alvo de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) estadual- ocorriam de forma isolada em Patos, Campina Grande, Boqueirão, João Pessoa e cidades próximas.
Em agosto, começaram a surgir os primeiros indícios de que, nos últimos anos, a exploração sexual de menores se profissionalizou na Paraíba, especialmente no eixo Patos-Campina Grande.
A menor Ane, 16, aliciada aos 11 anos em Campina Grande (a 139 km de João Pessoa), cansou do esquema a que era submetida e resolveu denunciá-lo ao promotor local, em julho passado.
Relatou que havia uma rede de aliciadores encarregada de arrumar meninas entre 12 e 15 anos para o que chamou de "figurões": políticos, empresários e juízes.
Ane revelou o esquema de uma mulher, citada como Joseísa, que agenciava menores para trabalhar em um bar em Recife.
As meninas eram levadas em vans, que tinham como ponto de partida o centro da cidade de Campina Grande. Ane contou que, de Recife, meninas foram enviadas para a Europa para trabalhar como prostitutas.
Após as denúncias, Joseísa foi presa. Na cadeia, ela foi visitada por seis advogados dos maiores escritórios de Campina Grande.
A prisão de Joseísa foi revogada. Ane e até mesmo a mãe do promotor sofreram ameaças de morte. A menina foi incluída no programa de proteção a testemunhas do governo federal em agosto.
A conexão Paraíba começou a ficar clara em janeiro, quando as menores de Patos começaram a prestar depoimento na polícia e algumas foram ameaçadas.
Até a semana passada, a polícia ainda não havia feito buscas na Granja do Gaúcho, apontada como ponto importante da rota. O promotor de Justiça João Manoel de Carvalho Filho, que denunciou os aliciadores de Patos, diz que não há um combate efetivo à prostituição infantil no Estado.

Barreiras
Um dos entraves às investigações é justamente o suposto envolvimento de autoridades com menores de até 14 anos.
Para aprovar o relatório da CPI da Prostituição realizada em 1997, o relator, o deputado estadual Luiz Couto (PT), foi obrigado a suprimir 33 das 99 páginas originais. O material eliminado identificava nomes de políticos, empresários e juízes que teriam praticado sexo com menores.
As informações da CPI provocaram um inquérito policial que acabou arquivado após o depoimento das menores, quando elas identificaram os seus clientes.
O deputado estadual ainda responde a sete processos judiciais por calúnia e difamação em razão de ter divulgado na íntegra o relatório na internet.
No último dia 20, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Orlando Fantazini (PT-SP), organizou uma audiência pública em Patos para que as menores envolvidas na rede formalizassem as denúncias para uma instituição federal. Quase todas as meninas, ouvidas na Câmara Municipal, informaram ter feito programa com dois vereadores da cidade.
(GABRIELA ATHIAS)





Texto Anterior: Meninas de aluguel: Descoberta nova rota de sexo no Nordeste
Próximo Texto: Ex-prostituta, garota afirma estar arrependida
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.