São Paulo, sexta-feira, 29 de abril de 2005

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POLÊMICA

No RS, polícia irá investigar se houve ou não indução no caso de garota de 14 anos que alegava ter sido estuprada

Jovem tem aborto espontâneo após proibição

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

A menina de 14 anos que tentava interromper sua gravidez, alegando ter sido vítima de estupro, sofreu um aborto espontâneo -anunciou ontem sua família, que mora em Bagé (RS).
Primeiro, hospitais e médicos da cidade se recusaram a fazer o procedimento, apesar da ocorrência policial e da decisão judicial que autorizava o aborto. Depois, o Tribunal de Justiça gaúcho proibiu a cirurgia.
A delegada Lisandra de Castro de Carvalho já abriu apuração para saber se o aborto foi espontâneo ou induzido. ""Se a menina provocou o aborto, pode ser considerada adolescente infratora. Se a mãe estiver envolvida, responderá a processo criminal."
Segundo a Santa Casa de Misericórdia de Bagé -onde a garota foi internada-, não foram identificados indícios de indução ao aborto. A Santa Casa é um dos hospitais que se recusaram a realizar o aborto. Quando a menina voltou ao local, na noite de terça, o aborto já havia ocorrido. A diretora-clínica da instituição, Terezinha Ricaldone, diz que não foram encontrados resíduos de medicamentos ou marcas de pinça, o que indicaria o aborto provocado.
A mãe da garota, que se diz aliviada, conta que sua filha estava abalada e se alimentava mal. No dia anterior ao aborto, havia comido só uma tangerina e uma maçã. Para o advogado da família, Décio Lahorgue, o aborto foi causado ""pela rejeição ao feto".
A investigação a respeito do estupro continuará, apesar da adolescente ter sofrido o aborto.

Cartas
O caso envolvendo a jovem, que tinha dez semanas de gestação, tornou-se uma polêmica judicial. Recurso do Ministério Público foi entregue ao TJ, que acolheu tese da promotora Maria Cougo Oliveira, que apresentou cartas da menina para o capataz de 33 anos acusado de estupro. As cartas, afirma Oliveira, são de amor, e a garota estava sendo pressionada para abortar. Ela diz acreditar que ""não houve violência".
O caso se tornou público quando a família, com decisão judicial em mãos permitindo a interrupção da gravidez em razão de estupro, teve o pedido negado em Bagé por médicos e pela Santa Casa de Misericórdia. A menina tentou fazer a cirurgia duas vezes na Santa Casa: uma após o registro da ocorrência policial e outra quando a Justiça deu a autorização.
A garota disse ter sido violentada pelo capataz, que trabalhava na fazenda da família dela. Quando ocorreu o ato sexual, ela tinha ainda 13 anos. De acordo com o artigo 224 do Código Penal, há o ""estupro presumido". ""Presume-se a violência se a vítima não é maior de 14 anos", diz a lei.
Casado e com filhos, o capataz se manifestou contrário ao aborto. Ele disse em depoimento que teve relações sexuais com a menina, mas sem violência.
A mãe da jovem chegou a falar que estava arrependida de não ter recorrido ao aborto clandestino. A garota, segundo laudo psicológico particular entregue ao TJ, entrou em estado de depressão que poderia levá-la ao suicídio.

Legislação
Relações sexuais entre adultos e adolescentes ou crianças devem virar outro tipo de crime, segundo um projeto de lei aprovado no Senado e em tramitação na Câmara: estupro de vulneráveis" -violência contra menores de 14 anos ou quem não tenha discernimento do ato. Proposto pela CPI da Exploração Sexual, ele inclui a instituição de ação penal pública para crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Hoje, a investigação exige queixa privada.


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