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OPINIÃO
Governantes e cegueira
WALTER BARELLI
Nos estudos de planejamento
estratégico de governo, verificamos que a maior dificuldade dos
governantes é a chamada cegueira
situacional.
Segundo Carlos Matus, a realidade é sempre escondida do "presidente". Quando ele visita uma
cidade, o trânsito está desimpedido pelos batedores, os jardins estão bem cuidados e as ruas, limpíssimas. Quando ele vai a uma escola ou um hospital, não vê vidros
quebrados ou doentes amontoados nos corredores. Tudo é feito
para "o presidente" ter a melhor
impressão possível. Assim, por
não ser visualizados, os problemas
desaparecem de sua agenda.
Desde o governo Itamar Franco
era sabido que o Brasil estava sob a
ameaça de uma epidemia de dengue. Só hoje o ministro da Saúde
dá-lhe, finalmente, o status de
guerra nacional. Nos gabinetes,
porém, ouvimos muitas dúvidas
sobre seu caráter devastador, induzindo à cegueira governamental. Como os mosquitos picam
também pessoas importantes, foi
possível transformar a dengue em
problema nacional e ter um ministro capacitado no seu combate.
Em outros tempos, buscou-se
que o povo não visse os problemas. Caso emblemático foi o da
censura às notícias sobre meningite durante o governo militar.
Pobres os governantes que são
confinados em palácios e impedidos de ver o que se passa à sua volta. O congestionamento diário
transforma uma cidade como São
Paulo num tormento para os moradores. Mas isso ainda não é assumido como um problema de governo. Os problemas de trânsito
são vistos como elemento da paisagem, inevitáveis como as trombas d'água no verão. Os cínicos dizem: "Foi Deus quem mandou".
Os desempregados correm o risco de ser considerados um mero
dado da realidade. São milhões,
mas parece que ainda incomodam
pouco. Fecham-se os olhos para os
problemas que acompanham o
desemprego, como automóveis
com vidros fechados em pleno verão, ou para o aumento do número de drogados, ou para a miséria
nas praças de nossas cidades.
Os organismos empresariais não
mentem quando mostram mensalmente a redução do emprego
industrial. As estatísticas, tanto do
IBGE como da Seade/Dieese,
apontam para taxas crescentes.
No entanto, corre-se o risco de
informar mal o presidente, pois há
interessados em evitar que notícias pouco prazerosas cheguem ao
chefe. Assim, o desemprego deixa
de ser problema de governo, e seu
combate é postergado. É preciso
ter olhos para ver. Lembremo-nos
da sabedoria popular: "O pior cego é aquele que não quer ver".
Walter Barelli, 59, economista, foi ministro do
Trabalho (governo Itamar Franco), secretário do
Emprego e Relações do Trabalho do Estado de
São Paulo e diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)
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