São Paulo, quarta, 29 de abril de 1998

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OPINIÃO
Governantes e cegueira

WALTER BARELLI

Nos estudos de planejamento estratégico de governo, verificamos que a maior dificuldade dos governantes é a chamada cegueira situacional.
Segundo Carlos Matus, a realidade é sempre escondida do "presidente". Quando ele visita uma cidade, o trânsito está desimpedido pelos batedores, os jardins estão bem cuidados e as ruas, limpíssimas. Quando ele vai a uma escola ou um hospital, não vê vidros quebrados ou doentes amontoados nos corredores. Tudo é feito para "o presidente" ter a melhor impressão possível. Assim, por não ser visualizados, os problemas desaparecem de sua agenda.
Desde o governo Itamar Franco era sabido que o Brasil estava sob a ameaça de uma epidemia de dengue. Só hoje o ministro da Saúde dá-lhe, finalmente, o status de guerra nacional. Nos gabinetes, porém, ouvimos muitas dúvidas sobre seu caráter devastador, induzindo à cegueira governamental. Como os mosquitos picam também pessoas importantes, foi possível transformar a dengue em problema nacional e ter um ministro capacitado no seu combate.
Em outros tempos, buscou-se que o povo não visse os problemas. Caso emblemático foi o da censura às notícias sobre meningite durante o governo militar.
Pobres os governantes que são confinados em palácios e impedidos de ver o que se passa à sua volta. O congestionamento diário transforma uma cidade como São Paulo num tormento para os moradores. Mas isso ainda não é assumido como um problema de governo. Os problemas de trânsito são vistos como elemento da paisagem, inevitáveis como as trombas d'água no verão. Os cínicos dizem: "Foi Deus quem mandou".
Os desempregados correm o risco de ser considerados um mero dado da realidade. São milhões, mas parece que ainda incomodam pouco. Fecham-se os olhos para os problemas que acompanham o desemprego, como automóveis com vidros fechados em pleno verão, ou para o aumento do número de drogados, ou para a miséria nas praças de nossas cidades.
Os organismos empresariais não mentem quando mostram mensalmente a redução do emprego industrial. As estatísticas, tanto do IBGE como da Seade/Dieese, apontam para taxas crescentes.
No entanto, corre-se o risco de informar mal o presidente, pois há interessados em evitar que notícias pouco prazerosas cheguem ao chefe. Assim, o desemprego deixa de ser problema de governo, e seu combate é postergado. É preciso ter olhos para ver. Lembremo-nos da sabedoria popular: "O pior cego é aquele que não quer ver".


Walter Barelli, 59, economista, foi ministro do Trabalho (governo Itamar Franco), secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo e diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)



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