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GUERRA URBANA
Polícia matou 22 civis com tiros de cima
Rascunhos de laudos necroscópicos apontam que, de 28 mortos em confrontos com policiais, 22 foram atingidos dessa maneira
Trajetória do disparo pode indicar abuso; pesquisa abrange casos de resistência entre as 132 mortes listadas pelo IML Central de São Paulo
GILMAR PENTEADO
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
A grande maioria das pessoas
mortas pela polícia na cidade
de São Paulo entre os dias 12 e
20 deste mês, durante o auge da
crise causada pelos ataques da
facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), foi
atingida por tiros feitos de cima
para baixo, segundo rascunhos
de laudos feitos pelo IML (Instituto Médico Legal) Central.
A trajetória do disparo é um
dos fatores usados para avaliar
se houve abuso policial na ação.
Um tiro de cima para baixo pode significar que a pessoa foi
atingida quando estava rendida, de joelhos ou no chão. Mas a
conclusão sobre o abuso ainda
depende de outras investigações e documentos.
O IML Central selecionou indiscriminadamente necropsias
de 132 pessoas mortas por arma de fogo no período e entregou na semana passada os rascunhos -os laudos oficiais ainda vão ser digitados- para o
Cremesp (Conselho Regional
de Medicina de São Paulo).
O Cremesp repassou os documentos para a análise de órgãos como o Ministério Público
e a Defensoria Pública. A Secretaria da Segurança Pública, por
sua vez, não fala sobre as informações dos laudos.
Desses rascunhos, no entanto, apenas 28 referem-se a civis
mortos em supostos confrontos com a polícia, segundo análise preliminar feita pelo grupo
especial de trabalho da Defensoria. O rascunho traz algumas
informações do boletim de
ocorrência.
Os outros casos incluídos na
listagem de 132 nomes são de
policiais mortos e de pessoas
assassinadas por desconhecidos. Até a necropsia de uma
mulher estrangulada foi incluída nessa documentação pelo
IML Central.
Trajetória
Dos 28 civis mortos pela polícia, 22 (78%) foram atingidos
por tiros com a trajetória de cima para baixo, segundo os documentos redigidos por médicos legistas do IML Central.
No total, os 28 mortos -16
ainda não tinham sido identificados pelo IML- em supostos
confrontos receberam 87 disparos. Desses, 44 tiros foram
feitos de cima para baixo.
Em um dos casos, Daniel
Donchio Scorza, morto em suposto confronto com a polícia,
na área do 49º DP (São Mateus), na zona leste da capital,
no dia 16, levou cinco tiros.
Quatro disparos foram feitos
de cima para baixo.
"Os rascunhos analisados
mostram uma prevalência de
lesões decorrentes de disparos
de arma de fogo na região da cabeça e do tórax, alguns de trás
para frente e outros de cima para baixo. Porém, ainda não é
possível concluir se houve abuso policial", afirma o subdefensor público do Estado de São
Paulo, Pedro Giberti.
Professor de Medicina Legal
na Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Nelson Massini
afirma que tiros de cima para
baixo podem indicar que as vítimas estavam "deitadas, ajoelhadas ou em outra posição que
não a de confronto".
"Tecnicamente, são tiros inviáveis para um tiroteio, um
confronto, onde se espera angulação perpendicular ao solo",
afirmou Massini.
Pelas costas
Os rascunhos do IML também apontam que, das pessoas
mortas pela policia, duas foram
atingidas com tiros pelas costas
e mais três tiveram ferimento à
bala nos braços, o que pode indicar um gesto de defesa da vítima, supostamente dominada.
O adolescente Wesley Rodriguero Cabral Rosa, 16, foi acusado pela polícia de resistir
após uma tentativa de roubo,
em Artur Alvim (zona leste de
SP), no dia 16. Ele levou um tiro
na costas e outro na perna esquerda, também disparado por
trás. Foi socorrido pelos próprios PMs. Morreu, no entanto,
ao dar entrada no hospital.
Em outro suposto confronto
com a polícia, agora na área do
17º DP (Ipiranga), zona sul de
SP, no último dia 17, Felipe
Malke morreu com um tiro pelas costas, segundo documento
do IML. O projétil atingiu a
parte superior das costas, próxima ao pescoço, atravessou a
coluna e a cabeça e foi se alojar
na parte superior do nariz.
Uma das hipóteses que justificaria essa trajetória é que a pessoa foi atingida quando estava
de joelhos, de cabeça abaixada.
Em mais um caso, o IML revela que um homem apontado
como desconhecido foi morto,
na área do 50 DP (Itaim Paulista), na zona leste de São Paulo,
com um tiro na face.
O tiro não foi à queima-roupa, mas o exame feito pelo IML
apontou uma "zona de tatuagem". É uma marca de pólvora,
mostrando que o tiro foi disparado de uma distância curta da
cabeça da vítima.
Parte
Os 28 rascunhos de mortes
na capital paulista representam apenas uma parte dos casos de resistência seguida de
morte registrados entre os dias
12 e 20. Segundo os últimos números da Secretaria da Segurança Pública, 123 pessoas
morreram em todo Estado nesses confrontos no período. A
secretaria, no entanto, não disponibilizou às autoridades os
laudos de todos esses casos.
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