São Paulo, Terça-feira, 29 de Junho de 1999
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Fidel, Ciro e os homens com H maiúsculo

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Ciro Gomes está para Ronaldinho à medida que são os solteiros mais cobiçados em suas áreas hoje. Ronaldinho é um menino tolo, que substituiu logo a mulher por uma Ferrari. No mundo frívolo do esporte, da gente mais tapada e reacionária que a mídia já produziu, o negócio é exibir: mulher, carro, megassalário.
Um show de estupidez: Ronaldinho entrevistado pela ex-jogadora Hortência, na TV. Constrangia: era a burrice arrogante da mulher contra a burrice ingênua do jogador.
Mas eu ia falar de Ciro Gomes e derivei-me para o esporte. É que, no Brasil, um campo (a política) lembra outro (o futebol). Em ambos predominam a conduta pessoal equivocada, valores invertidos, imoralidade, interesses escusos, corrupção, truculência.
Agora o caso Ciro Gomes, o político paulista-cearense em quem dá até vontade de acreditar. Toda vez que o vejo falar, admira-me que ele: 1) seja apenas um pouco mais velho do que eu (ele tem 41 anos); 2) fale português muito bem, coisa que político brasileiro não faz; 3) demonstre conhecer a alma nacional; 4) enumere os problemas do país em quatro ou cinco doenças crônicas, para as quais ele diz ter a solução.
Não bastasse tudo isso, Ciro Gomes ainda parece ser gente como a gente: divorciado, solteiro, descrente da experiência do casamento. No lugar do cinismo polido de Fernando Henrique, ele demonstra uma espontaneidade temperamental que lembra honestidade.
Mas quem garante? Como acreditar num político brasileiro hoje, num país em que a "democracia" política é usada para ocultar a falta de democracia econômica? Em que as instituições políticas estão a favor dos interesses das elites econômicas, dos lobbies?
O poder é a mais nojenta das instâncias sociais. No Brasil, estará por décadas associado ao macho ganancioso e desonesto, às oligarquias brancas de São Paulo, da Bahia ou do Ceará (tanto faz), ao tanto de dinheiro ou de Ferraris que o macho exiba, ao número de mulheres com quem ele transe.
É esse o pensamento do capital, do poder-sobre, perpetuado pelo neoliberalismo de carteirinha. A propósito disso: uma notícia no jornal de domingo dizia que Fidel Castro (e não o premiê italiano Massimo D'Alema) é quem estaria hospedado na suíte presidencial do hotel Othon Palace, no Rio, apesar de o PIB cubano ser muito menor do que o italiano, ou seja, apesar de D'Alema ser muito mais rico!
O critério do jornalista era econômico! Ora, de todos esses políticos reunidos na cúpula do Rio, só Fidel Castro fez história e merece ovação. O único que ficará na memória desta civilização como um homem com H, que teve peito para trabalhar pelo povo explorado de Cuba, que dividiu terra, saúde e educação.
Antes o autoritarismo declarado do uniforme de Fidel Castro do que o coronelismo, o despotismo dissimulado no terno e gravata de Antonio Carlos Magalhães. A ditadura cubana tem mais méritos do que a falsa democracia de Fernando Henrique Cardoso.
No mês de julho, não haverá coluna. Estarei de férias.

E-mail: mfelinto@uol.com.br


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