São Paulo, sábado, 29 de julho de 2000


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LETRAS JURÍDICAS

Violação da privacidade inviolável

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

E sta Folha traçou anteontem importante distinção entre a virtude e o vício no editorial "Investigação responsável". Destacou a importância da investigação de promotores e procuradores, com seu trabalho aguerrido, mas criticou a tendência de fazer "jogadas para a mídia", mais em busca de cartaz do que de resultado. Mário Covas trouxe boa contribuição para o exame do direito vigente, ao dizer que, se quebrarem o sigilo telefônico dele, estará complicado, porque o que há de gente duvidosa ligando para o governador não está escrito.
É bom que Covas diga isso, porque é um político sério e porque tem toda razão. Serve de exemplo a construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Sob o justo argumento da necessidade de expor irregularidades, estamos jogando o direito da privacidade no lixo.
Preciso reproduzir para o leitor dois trechos do artigo 5 da Constituição. Está no inciso X que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Está no inciso XII: é inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, salvo "por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".
A parte final do inciso XII foi regulada, em 1996, pela lei n 9.296, cujo artigo 1 admite a interceptação de comunicações telefônicas (muito mais séria que o levantamento das chamadas dadas ao longo do tempo), mas diz que dependerá de ordem do juiz competente, sendo mantida sob segredo de Justiça.
A lei veda (artigo 2) a interceptação de comunicações telefônicas quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal. Exige clareza na descrição do objeto investigado e a preservação do sigilo. Tenho opinião assentada sobre o assunto em meu livro "Segredos Profissionais", editado por Malheiros Editores, no qual examino todas as alternativas legais do tema.
O artigo 10 da lei n 9.296/96 abona as conclusões do livro, ao considerar crime, punível com reclusão de dois a quatro anos e multa, a quebra do segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
A Constituição e a lei impõem a discrição do agente público, enquanto o jornalista só cumprirá sua missão se buscar fontes que lhe revelem tudo. A lei quer que o agente policial, o Ministério Público e o servidor da Justiça, ao investigarem ligações telefônicas, mantenham silêncio sobre o que descobrirem, como regra. Ora, nos últimos sigilos telefônicos quebrados, houve ordem judicial. Os telefonemas não eram entre Lalau e EJ, mas entre o presidente do Tribunal do Trabalho de São Paulo e da respectiva comissão de obras e o secretário-geral da Presidência, para liberação de fundos para o término da obra trabalhista de primeira instância, com o apoio de parlamentares paulistas, de todas as tendências, e do Tribunal Superior do Trabalho.
O escândalo do sigilo quebrado obscurece aspectos relevantes dos fatos. Na agitação provocada pelo noticiário, o magistrado se vê, muitas vezes, compelido a entrar na "onda" e deferir medidas violadoras dos direitos fundamentais. Se Nicolau dos Santos Neto for culpado, que seja processado, condenado nas penas da lei e preso. Se Eduardo Jorge agiu com imprudência ou ilegalidade, igualmente que se produzam as provas e, culpado, que se o condene. É, porém, incompatível com o direito e com as práticas da democracia em que queremos continuar vivendo aceitar a exposição de tudo a todos, sem nenhuma contenção, mesclando acusados, acusáveis e meros suspeitos.
Quando a Constituição considera invioláveis a intimidade e a privacidade, dá garantia insubstituível à cidadania, a ser preservada.


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