|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRAS JURÍDICAS
Violação da privacidade inviolável
WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
E sta Folha traçou anteontem importante distinção entre a virtude e o vício no editorial
"Investigação responsável". Destacou a importância da investigação de promotores e procuradores, com seu trabalho aguerrido,
mas criticou a tendência de fazer
"jogadas para a mídia", mais em
busca de cartaz do que de resultado. Mário Covas trouxe boa contribuição para o exame do direito
vigente, ao dizer que, se quebrarem o sigilo telefônico dele, estará
complicado, porque o que há de
gente duvidosa ligando para o governador não está escrito.
É bom que Covas diga isso, porque é um político sério e porque
tem toda razão. Serve de exemplo
a construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região. Sob o justo argumento da
necessidade de expor irregularidades, estamos jogando o direito
da privacidade no lixo.
Preciso reproduzir para o leitor
dois trechos do artigo 5 da Constituição. Está no inciso X que são
invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das
pessoas. Está no inciso XII: é inviolável o sigilo das comunicações
telefônicas, salvo "por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal".
A parte final do inciso XII foi regulada, em 1996, pela lei n 9.296,
cujo artigo 1 admite a interceptação de comunicações telefônicas (muito mais séria que o levantamento das chamadas dadas ao
longo do tempo), mas diz que dependerá de ordem do juiz competente, sendo mantida sob segredo
de Justiça.
A lei veda (artigo 2) a interceptação de comunicações telefônicas quando não houver indícios
razoáveis da autoria ou participação em infração penal. Exige
clareza na descrição do objeto investigado e a preservação do sigilo. Tenho opinião assentada sobre o assunto em meu livro "Segredos Profissionais", editado por
Malheiros Editores, no qual examino todas as alternativas legais
do tema.
O artigo 10 da lei n 9.296/96
abona as conclusões do livro, ao
considerar crime, punível com reclusão de dois a quatro anos e
multa, a quebra do segredo da
Justiça, sem autorização judicial
ou com objetivos não autorizados
em lei.
A Constituição e a lei impõem a
discrição do agente público, enquanto o jornalista só cumprirá
sua missão se buscar fontes que
lhe revelem tudo. A lei quer que o
agente policial, o Ministério Público e o servidor da Justiça, ao investigarem ligações telefônicas,
mantenham silêncio sobre o que
descobrirem, como regra. Ora,
nos últimos sigilos telefônicos
quebrados, houve ordem judicial.
Os telefonemas não eram entre
Lalau e EJ, mas entre o presidente
do Tribunal do Trabalho de São
Paulo e da respectiva comissão de
obras e o secretário-geral da Presidência, para liberação de fundos para o término da obra trabalhista de primeira instância, com
o apoio de parlamentares paulistas, de todas as tendências, e do
Tribunal Superior do Trabalho.
O escândalo do sigilo quebrado
obscurece aspectos relevantes dos
fatos. Na agitação provocada pelo
noticiário, o magistrado se vê,
muitas vezes, compelido a entrar
na "onda" e deferir medidas violadoras dos direitos fundamentais. Se Nicolau dos Santos Neto
for culpado, que seja processado,
condenado nas penas da lei e preso. Se Eduardo Jorge agiu com
imprudência ou ilegalidade,
igualmente que se produzam as
provas e, culpado, que se o condene. É, porém, incompatível com o
direito e com as práticas da democracia em que queremos continuar vivendo aceitar a exposição
de tudo a todos, sem nenhuma
contenção, mesclando acusados,
acusáveis e meros suspeitos.
Quando a Constituição considera invioláveis a intimidade e a
privacidade, dá garantia insubstituível à cidadania, a ser preservada.
Texto Anterior: Firmas vão financiar grupo anti-sequestro Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|