São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 2002

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MOACYR SCLIAR

A mais antiga das profissões, o mais novo dos negócios

 Bordel australiano planeja lançar ações em Bolsa de Valores Folha Online Mundo, 22.jul.2002

A situação na Bolsa de Valores era má -tão má, na verdade, que a palavra crash, com todas as suas sombrias conotações, começava a ser murmurada nos círculos financeiros. Está na hora de rezar, dizia um grande especulador, e, de fato, já havia muita gente fazendo suas orações.
E então -por efeito das preces ou por qualquer outra razão- a coisa aconteceu. E da forma mais inesperada.
Um grande bordel (na verdade, uma rede de bordéis, incluindo estabelecimentos operando sob franquia) resolveu lançar ações na Bolsa. A iniciativa foi recebida com mal-estar em alguns círculos mais moralistas; outros, no entanto, achavam aquilo perfeitamente normal: a profissão mais antiga do mundo estava, afinal, se revelando também como negócio -o mais novo dos negócios. E um negócio extremamente ousado, inovador mesmo. O balanço da empresa não era apresentado como um maçudo relatório, mas sim sob a forma de atraente publicação, ilustrada com fotos de mulheres nuas -as mulheres que trabalhavam nos numerosos bordéis da companhia. Pelo relatório também se descobria que o negócio incluía a venda de numerosos produtos, entre eles uma camisinha equipada com um chip que, durante o ato sexual, emitia uma linda melodia de amor.
O resultado foi, para dizer o mínimo, surpreendente.
Depois do espanto inicial, os investidores começaram a se interessar pelos papéis, que de imediato subiram de preço, a princípio lentamente, e logo em ritmo febril. De nada adiantou a advertência de Alan Greenspan com a metáfora do preservativo que se transforma em bolha; as ações eram disputadas freneticamente. Outras companhias entraram no negócio. Algumas sugeriam até a criação de uma Bolsa especializada no assunto, uma espécie de Nasdaq do sexo. Economistas, perplexos, não sabiam como se posicionar nessa nova situação. Como disse um deles, intrigado: "Pelo jeito, só o sexo para fazer subir a Bolsa". Falava-se também no "Viagra econômico".
"A economia erotizada" foi a manchete de um grande jornal financeiro, e, de fato, o comércio sexual transformou-se no carro-chefe da atividade econômica. Não era apenas a produção de camisinhas; sex shops surgiam em toda a parte, filmes eróticos vendiam como nunca. E então, quando o mercado financeiro celebrava a superação da crise veio a debacle.
Um jornalista abelhudo resolveu investigar os bastidores da grande rede de bordéis, incluindo o desempenho financeiro. E o que então veio a público foi uma monumental fraude, uma fraude capaz de enfiar todas as similares no bolso.
Os balanços da grande empresa eram grosseiramente maquiados. Os seus rendimentos tinham sido inflados até o absurdo. Até as fotos das mulheres eram falsas. Muitas delas tinham sido retocadas eletronicamente -o conhecido truque de aumentar o bumbum. Outras tinham sido compradas de magazines pornográficos. Os bordéis, apresentados como estabelecimentos dotados de luxo e de conforto eram exatamente o contrário disso. Um deles funcionava em um velho trailer; outro, no meio de uma favela.
A notícia caiu como um raio sobre a Bolsa de Valores. As ações da rede de bordéis despencaram e, junto com elas, todas as outras. O pânico tomou conta do negócio e de novo começou a se falar em crash.
Agora, uma nova empresa está lançando suas ações. Ela também opera no ramo do comércio sexual, mas alega que seu produto é garantido: bonecas infláveis. Prazer a qualquer momento e da maneira mais prática possível. Certamente as ações subirão. Mas o jornalista abelhudo já está em campo. O sonho dele é descobrir furos nas bonecas -se possível, remendados com esparadrapo.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.


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