São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

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O dia em que a neurociência vai às compras

SUZANA HERCULANO-HOUZEL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como o cérebro se comporta em uma liquidação? O que nos faz perder o controle diante de ofertas "imperdíveis" de produtos, bem, não tão necessários assim?
Decisões de comprar ou não comprar envolvem considerações complexas sobre o que está disponível, seu custo, a necessidade real de obter o produto e as preferências pessoais do consumidor. Uma teoria supõe que essas decisões refletem simplesmente a antecipação de ganhos com a compra em questão. A hipótese que ganha o apoio da neurociência, no entanto, é outra: decidir comprar depende de uma competição entre os circuitos cerebrais que representam o prazer imediato de adquirir um objeto e os que representam a dor imediata de pagar por ele. Quem falar mais alto no cérebro -o prazer de comprar ou a dor de pagar- conquista a decisão.

Teoria
A teoria do toma-lá-dá-cá das decisões econômicas é apoiada por evidências de que circuitos cerebrais diferentes cuidam da antecipação de custos e benefícios e são ativados em momentos específicos de uma decisão de compra.
Representando o prazer antecipado do ganho material temos o núcleo acumbente, cerne do sistema de recompensa cerebral, cuja ativação é motivadora, depende de nossas preferências pessoais e prediz o que será comprado. Representando as perdas financeiras antecipadas, temos o córtex da ínsula, responsável por emoções negativas como o desgosto e a ansiedade, cuja ativação em resposta ao preço do objeto em questão serve como um freio que mantém a carteira fechada. Entre os dois, e associado à decisão de compra, temos a porção medial do córtex pré-frontal, ativado em resposta a produtos cujo preço é menor do que o preço-limite do consumidor -como em uma espécie de liquidação.

"Compra, compra"
O cérebro humano é, portanto, um prato feito para a liquidação da sua loja favorita: diante de preços reduzidos, o núcleo acumbente diz "eu gosto disso", o córtex pré-frontal medial diz "puxa, custa menos do que eu aceitaria pagar normalmente", a ínsula não se opõe e outra região do pré-frontal, que tenta evitar arrependimentos, ainda diz "compra, compra!".
Some-se a isso estratégias de marketing que minimizam a dor do pagamento, reduzindo o custo aparente em parcelas pequenas, um pedaço de plástico que deixa o dinheiro na carteira e tem-se o drama do consumidor que se descobre endividado ao chegar em casa. Para a ele, a neurociência tem uma dica: deixar o cartão em casa e levar apenas dinheiro quando for à liquidação. Com o risco, claro, de perder aquela oportunidade incrível...


Suzana Herculano-Houzel é neurocientista, professora da UFRJ e autora dos livros "O Cérebro Nosso de Cada Dia" e "Sexo, Drogas, Rock'n'Roll & Chocolate" (ed. Vieira & Lent)


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