São Paulo, domingo, 29 de julho de 2007

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Promoções descontrolam consumistas fanáticas por liquidação

Discussões entre os clientes, disputas pela melhor peça e contas que ficam no vermelho são alguns dos saldos da temporada de descontos em São Paulo

ADRIANA KÜCHLER
CAMILA YAHN

DA REVISTA DA FOLHA

"Quase enlouqueci. No meio de tantos sapatos pela metade do preço, não sabia mais quais havia experimentado nem dos que mais gostava. Levei todos." O relato, de uma "shopaholic" que não quis se identificar, mostra a urgência -e o arrependimento- que substituem a razão nesta época do ano, quando anúncios de desconto forram vitrines da cidade.
"Nem preciso dizer que, dos oito pares que levei, apenas dois foram bem aproveitados." Basta as lojas anunciarem 20%, 30% ou 70% para esses descontroles se intensificarem. Discussões, disputas pela melhor peça e contas no vermelho são alguns dos saldos da temporada de liquidações.
Ana Paula Albanez, 22, gerente de marketing da marca Reinaldo Lourenço, é daquelas que já presenciou cabeças -e carteiras- serem perdidas. "Já vi de tudo, especialmente nos bazares", diz, referindo-se à liquidação anual que a grife faz com até 90% de desconto. "No meio da bagunça, uma cliente pega a roupa da outra e dá aquela confusão. Nessa hora eu entro, que é para não rolar barraco." Numa das liquidações recentes, ela conta que uma cliente chegou a gastar R$ 12 mil de uma só vez.
Os preços praticados por essas lojas nesta época são mesmo sedutores se comparados aos valores de lançamento. Numa liquidação de Reinaldo Lourenço, uma calça sai por R$ 400, em vez dos R$ 800 originais. Na loja Theodora, em Higienópolis, o hit são as caixas tipo saldão, com produtos que vão de R$ 10 a R$ 35.
Um dos efeitos (colaterais) mais comuns da queda de preços é a euforia. Isso explica porque em liquidações do tipo "50% off" é algo normal se deparar com mulheres andando peladas, como se estivessem em casa, com roupas nas mãos.
A situação gera confusões. A publicitária Ellen Kanamori, 23, quase arranjou uma briga por um par de sapatos. Ao provar um pé do modelo "dos sonhos", Ellen decidiu que iria comprá-lo. Só que o outro pé já estava calçado em uma cliente e era o único disponível. "Eu não tirei o meu nem ela o dela. Ficou aquela troca de olhares antipática, até que eu resolvi ceder para não ter problemas."

Gato por lebre
A euforia coletiva não é resultado apenas da perigosa combinação de fashionistas com produtos baratos. As lojas, por sua vez, influenciam e incentivam o comportamento voraz dos consumidores.
Vitrines que parecem gritar a palavra "liquidação" causam uma idéia de urgência, explica Heloísa Omine, 50, professora de comunicação no ponto-de-venda da ESPM. "Apresentando o conceito de que aquilo vai acabar, motivam o cliente", diz.
Resultado: para não perder a chance, muitos acabam trocando gato por lebre e compram por uma "pechincha" sobras de coleções com cores e estilos que podem estar "superout".

Na alegria e na tristeza
Essa "desculpa" para comprar é chamada de "compulsive buying" (compra compulsiva), termo nascido nos EUA que designa a urgência descontrolada em comprar. "Na hora, a compra é uma atividade prazerosa, mas depois envolve culpa e problemas financeiros. A pessoa pega o que não precisa, não usa ou perde o interesse logo depois", explica Lorrin Koran, autor de estudos sobre compradores compulsivos e professor de psiquiatria na Universidade Stanford, na Califórnia.


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