São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

"Interrompemos nossa programação para transmitir..."

Ou "para transmitirmos"? Nunca me pus a fazer gráficos sobre as mensagens dos leitores, mas arriscaria um palpite: o emprego do infinitivo é o campeão das dúvidas, ou está muito perto disso.
Cumpre informar aos caros leitores que a questão não tem solução matemática. Em muitos casos, o que vale é a intenção, o que se quer destacar, enfatizar. E é aí que se enquadra a frase com que as emissoras informam ao público que a programação será interrompida para a transmissão do nobilíssimo horário eleitoral.
Temos aí dois verbos ("interromper" e "transmitir"). Qual é o sujeito do primeiro? É o pronome "nós", implícito na desinência de "interrompemos". Calma! Já traduzo esse palavrão técnico ("desinência"). A desinência nada mais é do que um dos elementos formadores das palavras. Seu papel é o de indicar as flexões dos vocábulos. No caso de "interrompemos", a desinência "-mos" indica que o verbo está conjugado na primeira do plural e que, por isso, seu sujeito só pode ser "nós".
É bem provável que você já tenha percebido que, quando conjugadas na primeira pessoa do plural de qualquer (QUALQUER!) tempo, todas (TODAS!) as formas verbais da língua portuguesa terminam em "-mos": "fazemos", "fazíamos", "fizemos", "fizéramos", "faremos", "faríamos", "façamos", "fizéssemos", "fizermos" etc., etc., etc.
Pois bem, o sujeito de "interromper" é "nós". E o de "transmitir"? É o mesmo. Quem interrompe é quem transmite. Nesses casos, a flexão do infinitivo é desnecessária, mas não impossível. Que muda de um caso para o outro? Sem a flexão, enfatiza-se a ação ("transmitir"); com a flexão ("transmitirmos"), enfatiza-se o agente ("nós"). Em textos informativos, costuma-se não flexionar o infinitivo em casos como esse, por no mínimo duas razões: a "economia" (o texto é mais "enxuto") e a tendência, natural nesse tipo de texto, para que se destaque a ação, e não seu agente.
Vejamos outros exemplos: "Os líderes sindicais se reuniram para discutir a proposta do governo"; "Fizemos o possível para satisfazer suas exigências"; "Os professores viajaram mais de cinco horas para ouvir o conferencista".
Nos três casos, seria possível flexionar o infinitivo ("para discutirem a proposta", "para satisfazermos suas exigências", "para ouvirem o conferencista"), desde que houvesse a intenção e a necessidade de enfatizar o agente de cada processo verbal. Que lhe parece? Se você quer saber o que penso, digo-lhe que em nenhum dos três exemplos eu empregaria o infinitivo flexionado. Em textos dessa natureza, parece-me que a ação sobressai ao agente, já implícito na forma verbal anterior ou citado explicitamente.
E quando o infinitivo vem na oração que inicia o período? Quer um exemplo para pensar? Vamos lá: "Para obterem (ou "obter'?) a aprovação da lei, os deputados governistas foram obrigados a negociar com a oposição". Agora a coisa muda: predomina o uso da forma flexionada ("obterem"). Por integrar a oração que inicia o período, o infinitivo flexionado "prepara" o leitor para já raciocinar em termos de plural. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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