São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 2006

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MARIA INÊS DOLCI

Roleta-russa


O melhor dos mundos financeiros está longe de ser um mundo razoável para quem vive de salário

"EU VEJO um museu de grandes novidades", diria, talvez, Cazuza, com relação à proposta do governo de criar o Cadastro de Bons Pagadores. Que, vejam só, que surpresa!, atende a reivindicações da Febraban, a todo-poderosa federação dos banqueiros, que a defende desde 2001. Entre nós, que ninguém nos ouça, será que o que é bom para os banqueiros é bom para os correntistas? Duvido muito, mas talvez algum luminar do governo tenha enxergado algo que nós, simples mortais que pagamos as contas mais salgadas, não tenhamos percebido. Pode ser. Mas também pode ser mais um cumprimento com o nosso chapéu, como se dizia antigamente, quando se usava chapéu e havia muito mais vergonha na cara.
Agora, vamos pensar um pouco no tal cadastro. Não bastam os registros, as listas de devedores, do Serasa e do Banco Central? Os senhores banqueiros, que tanto têm perdido nos últimos anos, com pequenos lucros de bilhões de reais, ainda necessitam de um suporte do Cadastro de Bons Pagadores?
Não, o que há é mais um empurrão no jogo dos juros altos. Que não baixam nem com reza braba.
Porque são o cerne dos lucros bilionários do sistema financeiro no Brasil. Sem esquecer, é claro, do festival das tarifas elevadas.
Mais um cadastro soa como mais um funil, pelo qual passarão ainda menos correntistas. E daí, os senhores do sistema financeiro vão dizer: "Nada podemos fazer para baixar os juros para os que não constam do cadastro de bons pagadores".
Só que eventuais maus pagadores recebem cartões de crédito que não pediram, empréstimos consignados, adiantamento da restituição do Imposto de Renda. Dinheiro caríssimo, com juros para fazer corar agiotas de antanho. Tão extorsivos que beiram a outro mercado paralelo, muito em alta, nos últimos tempos, com suas ações explosivas.
Estamos, efetivamente, nos aproximando daquilo que o escritor George Orwell previu em "1984", um livro que antecipava um futuro, hoje, de controles rígidos sobre o cidadão. Não, o grande escritor não previu tudo o que se faz no Brasil, os delitos terminados em "ão", as bondades eleitorais (eleitoreiras?). Nem a predominância do lucro financeiro sobre o capital, uma mais-valia para bilionário não colocar defeito.
É claro que vão chover explicações de que com isso o custo do dinheiro cairá. Como caiu com as tímidas reduções dos juros pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central?
Não acredito. Seremos cada vez mais vigiados, catalogados em cadastros disso e daquilo, sem benefícios expressivos.
Por quê? Porque o melhor dos mundos financeiros está longe de ser um mundo razoável para quem vive de salário, do trabalho, enfim, da atividade produtiva. Porque é mais triste quando nos prejudicam e dizem que estão fazendo por nós algo que nunca ninguém jamais fez. A propósito, quem disse que os cassinos são proibidos no Brasil? Façam seu jogo!

NA INTERNET
http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br


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