|
Próximo Texto | Índice
ADMINISTRAÇÃO
Contracheques de funcionários da Prefeitura de SP foram falsificados para obtenção de linha de crédito
Servidores fraudam empréstimo bancário
SÍLVIA CORRÊA
EDITORA DE CIDADES DO "AGORA"
Funcionários da Prefeitura de
São Paulo estão utilizando contracheques falsificados para conseguir empréstimos bancários em
instituições conveniadas à administração municipal.
Triplicando vencimentos e sumindo com alguns descontos, os
funcionários públicos simulam
uma capacidade de endividamento que não têm e conseguem a liberação do empréstimo.
Dos empréstimos obtidos, porém, alguns servidores ficariam
com apenas 50% do valor. O resto, afirmam eles, iria para as mãos
dos intermediários da operação
de crédito -responsáveis também por viabilizar a falsificação
de seus contracheques.
Outros funcionários públicos,
no entanto, dizem que não sabiam que estavam sendo envolvidos em um golpe. Pela versão desse grupo, seus contracheques originais -que surgiram falsificados nos bancos- foram entregues a supostos operadores de
crédito das instituições financeiras, que nunca os devolveram.
Pior: um desses servidores afirma que, quando percebeu a fraude, tentou desistir da operação,
mas foi ameaçado de morte.
Os golpes começaram em julho,
mas só foram detectados no final
de agosto, quando as primeiras
parcelas dos empréstimos deveriam ter sido descontadas na folha
de pagamento da prefeitura.
O abatimento, no entanto, não
foi realizado pela Secretaria Municipal de Gestão Pública, uma
vez que as parcelas elevariam os
descontos a mais de 70% dos salários dos servidores em questão, o
que não é permitido pelo decreto
42.210, do ano passado -o mesmo que determina que a prefeitura não é co-responsável por dívidas feitas pelos servidores.
Sem receber dos servidores, os
bancos deram o alarme. E a história virou um caso de polícia.
Até agora, 54 contracheques falsos já foram localizados -a
maioria de funcionários de hospitais e subprefeituras-, mas, em
depoimento formal, um diretor
de banco estima que cerca de 200
empréstimos tenham sido concedidos mediante fraude em cada
uma das instituições lesadas
-até sexta-feira, eram 12.
As operações fraudadas variam
de R$ 820 a R$ 8.000, mas o valor
médio delas é R$ 3.000. Ou seja: se
a previsão do banqueiro se confirmar nos 12 bancos lesados, os golpistas podem ter desviado R$ 7
milhões em dois meses.
Hipóteses
As investigações do caso estão
sendo comandadas pelo delegado
Luiz Antônio Rezende Rebello da
Silva, da Ouvidoria municipal. O
desafio do delegado é identificar
até que nível da estrutura da máquina pública a quadrilha estendeu seus tentáculos.
Há três hipóteses em investigação. A primeira, mais grave, considera a possibilidade de envolvimento de algum funcionário da
Prodam, a companhia de processamento de dados do município.
Nesse caso, a fita de impressão
-que carrega os dados a serem
impressos nos contracheques-
seria diferente da fita de crédito
-que fixa os salários a serem pagos, nos quais não houve fraude.
Contra essa hipótese há o depoimento de gerentes da Prodam,
que afirmam ser impossível fazer
interferências no sistema para
criar divergências entre a imagem
de impressão e a fita de crédito.
A favor, os relatos dos funcionários dos bancos sobre a aparente
autenticidade dos contracheques
que receberam e um laudo do Instituto Del Picchia -encomendado pela Banco Alfa, um dos que
foram lesados-, segundo o qual
os documentos falsos e verdadeiros têm até as mesmas falhas de
impressão, o que sugeriria que
têm a mesma origem.
A segunda hipótese também
aponta para a Prodam, mas seria
menos elaborada. Nesse caso, algum funcionário teria usado irregularmente as máquinas reservadas para imprimir as segundas
vias dos contracheques, quando
solicitadas. Há duas delas na Prodam, que farão o serviço apenas
até amanhã. O procedimento, porém, imporia às peças impressas
características diferentes das existentes nos documentos originais
-rodados por uma empresa terceirizada-, o que não foi apontado pelo laudo do Del Picchia.
A terceira hipótese -tida como
certa pelo ouvidor do município,
Elci Pimenta Freire- é que os
servidores tenham feito alterações manuais nos contracheques.
Contra essa tese, há o relato dos
bancos, que não identificaram as
falsificações. A favor dela, pesa o
fato de um contracheque ter sido
apreendido com um dos servidores acusados com uma adulteração manual -um pedacinho de
papel colado ao documento alterava seu mês de referência, mas
uma cópia dele não foi apreendida em nenhum banco lesado.
"Com a tecnologia disponível
no mercado, a impressora [usada
na falsificação dos contracheques] pode ser até doméstica", diz
Freire. Apesar de o ouvidor duvidar da participação de funcionários da Prodam no golpe, a possibilidade ainda está sendo investigada por sua assessoria de apuração. Freire afirma que, em todo
caso, as fitas de impressão da
companhia devem ser submetidas à perícia no inquérito policial.
Tamanho do golpe
Amanhã será concluída a folha
de pagamento da prefeitura. Ao
longo da semana, portanto, os
bancos saberão o tamanho dos
prejuízos que sofreram -o que
pode ajudar a sinalizar a possibilidade de essa ser uma fraude em
série ou montada manualmente.
Em alguns dias, dezenas de depoimentos e provas devem seguir
para a Secretaria da Segurança
Pública, a Procuradoria Geral de
Justiça e a Procuradoria Geral do
Município. A Polícia Civil deve
pedir perícias em contracheques e
máquinas de impressão.
Próximo Texto: Moacyr Scliar: O destino bate à porta Índice
|