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São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 2003

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ADMINISTRAÇÃO

Contracheques de funcionários da Prefeitura de SP foram falsificados para obtenção de linha de crédito

Servidores fraudam empréstimo bancário

SÍLVIA CORRÊA
EDITORA DE CIDADES DO "AGORA"

Funcionários da Prefeitura de São Paulo estão utilizando contracheques falsificados para conseguir empréstimos bancários em instituições conveniadas à administração municipal.
Triplicando vencimentos e sumindo com alguns descontos, os funcionários públicos simulam uma capacidade de endividamento que não têm e conseguem a liberação do empréstimo.
Dos empréstimos obtidos, porém, alguns servidores ficariam com apenas 50% do valor. O resto, afirmam eles, iria para as mãos dos intermediários da operação de crédito -responsáveis também por viabilizar a falsificação de seus contracheques.
Outros funcionários públicos, no entanto, dizem que não sabiam que estavam sendo envolvidos em um golpe. Pela versão desse grupo, seus contracheques originais -que surgiram falsificados nos bancos- foram entregues a supostos operadores de crédito das instituições financeiras, que nunca os devolveram.
Pior: um desses servidores afirma que, quando percebeu a fraude, tentou desistir da operação, mas foi ameaçado de morte.
Os golpes começaram em julho, mas só foram detectados no final de agosto, quando as primeiras parcelas dos empréstimos deveriam ter sido descontadas na folha de pagamento da prefeitura.
O abatimento, no entanto, não foi realizado pela Secretaria Municipal de Gestão Pública, uma vez que as parcelas elevariam os descontos a mais de 70% dos salários dos servidores em questão, o que não é permitido pelo decreto 42.210, do ano passado -o mesmo que determina que a prefeitura não é co-responsável por dívidas feitas pelos servidores.
Sem receber dos servidores, os bancos deram o alarme. E a história virou um caso de polícia.
Até agora, 54 contracheques falsos já foram localizados -a maioria de funcionários de hospitais e subprefeituras-, mas, em depoimento formal, um diretor de banco estima que cerca de 200 empréstimos tenham sido concedidos mediante fraude em cada uma das instituições lesadas -até sexta-feira, eram 12.
As operações fraudadas variam de R$ 820 a R$ 8.000, mas o valor médio delas é R$ 3.000. Ou seja: se a previsão do banqueiro se confirmar nos 12 bancos lesados, os golpistas podem ter desviado R$ 7 milhões em dois meses.

Hipóteses
As investigações do caso estão sendo comandadas pelo delegado Luiz Antônio Rezende Rebello da Silva, da Ouvidoria municipal. O desafio do delegado é identificar até que nível da estrutura da máquina pública a quadrilha estendeu seus tentáculos.
Há três hipóteses em investigação. A primeira, mais grave, considera a possibilidade de envolvimento de algum funcionário da Prodam, a companhia de processamento de dados do município.
Nesse caso, a fita de impressão -que carrega os dados a serem impressos nos contracheques- seria diferente da fita de crédito -que fixa os salários a serem pagos, nos quais não houve fraude.
Contra essa hipótese há o depoimento de gerentes da Prodam, que afirmam ser impossível fazer interferências no sistema para criar divergências entre a imagem de impressão e a fita de crédito.
A favor, os relatos dos funcionários dos bancos sobre a aparente autenticidade dos contracheques que receberam e um laudo do Instituto Del Picchia -encomendado pela Banco Alfa, um dos que foram lesados-, segundo o qual os documentos falsos e verdadeiros têm até as mesmas falhas de impressão, o que sugeriria que têm a mesma origem.
A segunda hipótese também aponta para a Prodam, mas seria menos elaborada. Nesse caso, algum funcionário teria usado irregularmente as máquinas reservadas para imprimir as segundas vias dos contracheques, quando solicitadas. Há duas delas na Prodam, que farão o serviço apenas até amanhã. O procedimento, porém, imporia às peças impressas características diferentes das existentes nos documentos originais -rodados por uma empresa terceirizada-, o que não foi apontado pelo laudo do Del Picchia.
A terceira hipótese -tida como certa pelo ouvidor do município, Elci Pimenta Freire- é que os servidores tenham feito alterações manuais nos contracheques.
Contra essa tese, há o relato dos bancos, que não identificaram as falsificações. A favor dela, pesa o fato de um contracheque ter sido apreendido com um dos servidores acusados com uma adulteração manual -um pedacinho de papel colado ao documento alterava seu mês de referência, mas uma cópia dele não foi apreendida em nenhum banco lesado.
"Com a tecnologia disponível no mercado, a impressora [usada na falsificação dos contracheques] pode ser até doméstica", diz Freire. Apesar de o ouvidor duvidar da participação de funcionários da Prodam no golpe, a possibilidade ainda está sendo investigada por sua assessoria de apuração. Freire afirma que, em todo caso, as fitas de impressão da companhia devem ser submetidas à perícia no inquérito policial.

Tamanho do golpe
Amanhã será concluída a folha de pagamento da prefeitura. Ao longo da semana, portanto, os bancos saberão o tamanho dos prejuízos que sofreram -o que pode ajudar a sinalizar a possibilidade de essa ser uma fraude em série ou montada manualmente.
Em alguns dias, dezenas de depoimentos e provas devem seguir para a Secretaria da Segurança Pública, a Procuradoria Geral de Justiça e a Procuradoria Geral do Município. A Polícia Civil deve pedir perícias em contracheques e máquinas de impressão.

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