São Paulo, terça, 29 de setembro de 1998

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SAÚDE
Meninas e jovens de até 19 anos fazem 48% das interrupções legais da gravidez, segundo levantamento na rede pública
Adolescente faz metade dos abortos legais

MALU GASPAR
PRISCILA LAMBERT
da Reportagem Local

Casos como o da menina C.B.S, 10, autorizada ontem a abortar por ter sido estuprada, representam um de cada dois abortos legais feitos na rede pública brasileira.
Levantamento feito pela Folha junto aos principais serviços públicos de aborto legal mostra que as adolescentes -meninas com idade entre 10 e 19 anos- respondem por 48% dos atendimentos.
Em alguns serviços, como o do Rio de Janeiro, elas chegam a representar 62,5% dos casos.
Pela lei brasileira, o aborto é permitido nos casos em que a gestante corre risco de vida ou a gravidez foi decorrente de estupro.
Toda relação sexual completa com adolescentes de até 14 anos é legalmente considerada estupro. Para a lei, há violência presumida nesses casos -considera-se que meninas dessa idade estão sendo violentadas, mesmo quando consentem com a relação.
Meninas como C.B.S. são consideradas adolescentes pela classificação da Organização Mundial da Saúde. As "pré-adolescentes" estão tão presentes nos serviços de aborto legal quanto adolescentes mais velhas.
Um exemplo é o Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães, do Rio de Janeiro. Quatro das oito pacientes que passaram por ali desde o ano passado tinham 14 anos ou menos. Em Recife, elas foram três das sete adolescentes que passaram por esse tipo de serviço.
"As adolescentes são alvo fácil para quem quer fazer um estupro, principal motivo para o aborto legal. Elas são mais expostas, têm menos habilidade para se defender", diz Osmar Colás, um dos coordenadores do serviço de Atendimento à Vítimas de Violência Sexual do Hospital São Paulo.
Colás aponta, em sua tese de mestrado sobre o programa de aborto legal do Hospital do Jabaquara, que meninas com menos de 13 anos foram 12,8% das que procuraram o hospital até 1996.
Nem todas conseguiram ou persistiram na decisão de interromper a gravidez.

Medo
"Elas chegam aqui com muito medo. Não sabem direito o que está se passando com elas nem entendem o que é o procedimento cirúrgico do aborto. Quando chegam pedindo para abortar, geralmente estão reproduzindo a vontade dos pais", diz Valéria Aparecida Camargo, psicóloga do grupo de aborto legal do Jabaquara.
Mas, segundo Valéria, a decisão que conta para o parecer dos médicos é a da paciente, não importa a idade que ela tenha.
Assim como em todos os programas regulamentados de aborto legal do país, as psicólogas do Jabaquara orientam as pacientes sobre os riscos de ter e de não ter a criança.
"Já tivemos uma paciente de 12 anos que, mesmo com os pais querendo a cirurgia, decidiu não fazê-la. Os pais decidiram acatar a decisão", conta a psicóloga.
Esses casos, no entanto, são minoria. A maior parte das meninas, diz Valéria, se comporta como C.B.S.: rejeitam o filho e apenas dizem que "querem tirar o que tem dentro" delas.
Valéria afirma ainda que o impacto da gravidez fruto do estupro nas adolescentes é maior para as mães do que para as filhas. "Enquanto as filhas têm medo, as mães têm ódio. É mais difícil para as mães aceitar o que aconteceu do que para as filhas."
Mesmo que o aborto acabe não sendo feito, todas as pacientes são orientadas a procurar psicólogos ou psicoterapeutas.
Para os médicos que cuidam dessas meninas, o trauma psicológico de ter feito um aborto é tão grave quando o de ter tido um filho. Em alguns casos, dizem eles, é mais fácil assimilar o aborto.
"Suportar uma gravidez ou um filho, num caso como esses, muitas vezes é até mais difícil. Se a menina consegue depois recuperar a vida normal, o trauma pode ser superado mais facilmente", diz o ginecologista Jorge Andalaft Neto, do Hospital do Jabaquara. Ali, as meninas e jovens com até 19 anos são 40% do total de pacientes.

Amostra
Existem no país 13 hospitais ou entidades que fazem o aborto previsto por lei (veja quadro). Desses, nove programas forneceram dados para o levantamento feito pela reportagem.
Esses nove serviços fazem 260 interrupções de gravidez por ano. Os quatro outros programas não possuíam dados completos contabilizados.




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