|
Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Meninas e jovens de até 19 anos fazem 48% das interrupções legais da gravidez, segundo levantamento na rede pública
Adolescente faz metade dos abortos legais
MALU GASPAR
PRISCILA LAMBERT
da Reportagem Local
Casos como o da menina C.B.S,
10, autorizada ontem a abortar por
ter sido estuprada, representam
um de cada dois abortos legais feitos na rede pública brasileira.
Levantamento feito pela Folha
junto aos principais serviços públicos de aborto legal mostra que
as adolescentes -meninas com
idade entre 10 e 19 anos- respondem por 48% dos atendimentos.
Em alguns serviços, como o do
Rio de Janeiro, elas chegam a representar 62,5% dos casos.
Pela lei brasileira, o aborto é permitido nos casos em que a gestante corre risco de vida ou a gravidez
foi decorrente de estupro.
Toda relação sexual completa
com adolescentes de até 14 anos é
legalmente considerada estupro.
Para a lei, há violência presumida
nesses casos -considera-se que
meninas dessa idade estão sendo
violentadas, mesmo quando consentem com a relação.
Meninas como C.B.S. são consideradas adolescentes pela classificação da Organização Mundial da
Saúde. As "pré-adolescentes" estão tão presentes nos serviços de
aborto legal quanto adolescentes
mais velhas.
Um exemplo é o Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães, do Rio de Janeiro. Quatro
das oito pacientes que passaram
por ali desde o ano passado tinham 14 anos ou menos. Em Recife, elas foram três das sete adolescentes que passaram por esse tipo
de serviço.
"As adolescentes são alvo fácil
para quem quer fazer um estupro,
principal motivo para o aborto legal. Elas são mais expostas, têm
menos habilidade para se defender", diz Osmar Colás, um dos
coordenadores do serviço de
Atendimento à Vítimas de Violência Sexual do Hospital São Paulo.
Colás aponta, em sua tese de
mestrado sobre o programa de
aborto legal do Hospital do Jabaquara, que meninas com menos
de 13 anos foram 12,8% das que
procuraram o hospital até 1996.
Nem todas conseguiram ou persistiram na decisão de interromper a gravidez.
Medo
"Elas chegam aqui com muito
medo. Não sabem direito o que está se passando com elas nem entendem o que é o procedimento
cirúrgico do aborto. Quando chegam pedindo para abortar, geralmente estão reproduzindo a vontade dos pais", diz Valéria Aparecida Camargo, psicóloga do grupo
de aborto legal do Jabaquara.
Mas, segundo Valéria, a decisão
que conta para o parecer dos médicos é a da paciente, não importa
a idade que ela tenha.
Assim como em todos os programas regulamentados de aborto
legal do país, as psicólogas do Jabaquara orientam as pacientes sobre os riscos de ter e de não ter a
criança.
"Já tivemos uma paciente de 12
anos que, mesmo com os pais
querendo a cirurgia, decidiu não
fazê-la. Os pais decidiram acatar a
decisão", conta a psicóloga.
Esses casos, no entanto, são minoria. A maior parte das meninas,
diz Valéria, se comporta como
C.B.S.: rejeitam o filho e apenas dizem que "querem tirar o que tem
dentro" delas.
Valéria afirma ainda que o impacto da gravidez fruto do estupro
nas adolescentes é maior para as
mães do que para as filhas. "Enquanto as filhas têm medo, as
mães têm ódio. É mais difícil para
as mães aceitar o que aconteceu do
que para as filhas."
Mesmo que o aborto acabe não
sendo feito, todas as pacientes são
orientadas a procurar psicólogos
ou psicoterapeutas.
Para os médicos que cuidam
dessas meninas, o trauma psicológico de ter feito um aborto é tão
grave quando o de ter tido um filho. Em alguns casos, dizem eles, é
mais fácil assimilar o aborto.
"Suportar uma gravidez ou um
filho, num caso como esses, muitas vezes é até mais difícil. Se a menina consegue depois recuperar a
vida normal, o trauma pode ser
superado mais facilmente", diz o
ginecologista Jorge Andalaft Neto,
do Hospital do Jabaquara. Ali, as
meninas e jovens com até 19 anos
são 40% do total de pacientes.
Amostra
Existem no país 13 hospitais ou
entidades que fazem o aborto previsto por lei (veja quadro). Desses,
nove programas forneceram dados para o levantamento feito pela
reportagem.
Esses nove serviços fazem 260
interrupções de gravidez por ano.
Os quatro outros programas não
possuíam dados completos contabilizados.
Próximo Texto | Índice
|