São Paulo, terça, 29 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Da falsificação de tudo: CDs, pílulas e eleições

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Não é que o povo precisa de música? Dessa cultura de massas, dessa música "popular" -dele "povo", portanto- feita para ele ou com as simpatias dele? Mas o povo não pode pagar por essa música, não tem dinheiro para comprar CDs a R$ 25, fitas a R$ 12 etc.
A atual campanha contra a falsificação de CDs e fitas de música -estampada em páginas de jornais, revistas e telas de TV- não toca no X da questão. Não diz que as gravadoras responsáveis pela produção de CDs são empresas multinacionais milionárias.
Trata-se de campanha meio hipócrita, que prega o combate à pirataria de CDs e fitas a título de defender a "economia nacional" e o "emprego". Uma falácia. Até para ouvir música o Zé Povinho teria que pensar na "economia nacional", essa abstração inventada para justificar a ganância das elites.
A campanha não diz nada sobre a riqueza acumulada por esses cantores de música popular, os cachês altíssimos que cobram, as suspeitas de sonegação de impostos que paira sobre eles, a facilidade com que, nessa área, se faz fortuna da noite para o dia.
Uma hipocrisia pedir ao Zé Povinho -cujo salário varia de R$ 130 a R$ 300- que pague cinco vezes mais pelo CD que ele compra por R$ 5 nos mercados municipais, nas bancas de camelôs, nas lojas de cidades do Brasil inteiro. Uma hipocrisia não oferecer ao Zé Povinho nada em troca da mentirosa "legalidade".

Não é que o povo precisa de remédio? Precisa de médico e não tem, e não pode pagar. Então vai à farmácia da esquina, que sempre foi ilegal.
Farmácias no Brasil sempre surgiram aos tufos, feito capim. Do Nordeste ao Rio de Janeiro, tem mais farmácia do que botequim pelas esquinas.
É claro que os bandidos perceberam a chance de fraudar o que já era fraude: se a farmácia é falsificada, o remédio também pode ser -assim pensa o bandido, na sua lógica de assassino surgido em cultura de laboratório, in vitro.
O Brasil só está colhendo o que cultiva: as irregularidades do laboratório Schering continuam, a fabricação de pílulas defeituosas ganha variedade.
A falsificação de remédios desafia a fiscalização das autoridades de saúde, que não se dão ao respeito, que não têm qualquer credibilidade, que deixam o povo morrer à míngua nas filas dos hospitais.
A fraude tem a idade do país. Não é por acaso que as suspeitas de fabricação do remédio Androcur recaem sobre a mais antiga farmácia de São Paulo, a Ao Veado D'Ouro.
Mas os laboratórios estão apoiando a reeleição do presidente da República. Dando dinheiro para ver se escapam dos rigores da fiscalização que se insinua. É a fraude eleitoral.
Aliás, o certificado "ISO 9002", atestado internacional de eficiência e qualidade para empresas, devia ser dado aos falsificadores de tudo por aqui.
Para piorar, o próprio ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Ilmar Galvão, veio a público domingo último declarar sua inclinação pela vitória de FHC. Como é que pode? Como é que ninguém se escandaliza mais com nada?

E-mailmfelinto@uol.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.