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Da falsificação de tudo: CDs, pílulas e eleições
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
Não é que o povo precisa de
música? Dessa cultura de massas, dessa música "popular"
-dele "povo", portanto- feita para ele ou com as simpatias dele? Mas o povo não pode
pagar por essa música, não
tem dinheiro para comprar
CDs a R$ 25, fitas a R$ 12 etc.
A atual campanha contra a
falsificação de CDs e fitas de
música -estampada em páginas de jornais, revistas e telas
de TV- não toca no X da
questão. Não diz que as gravadoras responsáveis pela produção de CDs são empresas multinacionais milionárias.
Trata-se de campanha meio
hipócrita, que prega o combate
à pirataria de CDs e fitas a título de defender a "economia
nacional" e o "emprego". Uma
falácia. Até para ouvir música
o Zé Povinho teria que pensar
na "economia nacional", essa
abstração inventada para justificar a ganância das elites.
A campanha não diz nada
sobre a riqueza acumulada
por esses cantores de música
popular, os cachês altíssimos
que cobram, as suspeitas de sonegação de impostos que paira
sobre eles, a facilidade com
que, nessa área, se faz fortuna
da noite para o dia.
Uma hipocrisia pedir ao Zé
Povinho -cujo salário varia
de R$ 130 a R$ 300- que pague cinco vezes mais pelo CD
que ele compra por R$ 5 nos
mercados municipais, nas
bancas de camelôs, nas lojas
de cidades do Brasil inteiro.
Uma hipocrisia não oferecer
ao Zé Povinho nada em troca
da mentirosa "legalidade".
Não é que o povo precisa de
remédio? Precisa de médico e
não tem, e não pode pagar. Então vai à farmácia da esquina,
que sempre foi ilegal.
Farmácias no Brasil sempre
surgiram aos tufos, feito capim. Do Nordeste ao Rio de Janeiro, tem mais farmácia do
que botequim pelas esquinas.
É claro que os bandidos perceberam a chance de fraudar o
que já era fraude: se a farmácia é falsificada, o remédio
também pode ser -assim pensa o bandido, na sua lógica de
assassino surgido em cultura
de laboratório, in vitro.
O Brasil só está colhendo o
que cultiva: as irregularidades
do laboratório Schering continuam, a fabricação de pílulas
defeituosas ganha variedade.
A falsificação de remédios
desafia a fiscalização das autoridades de saúde, que não se
dão ao respeito, que não têm
qualquer credibilidade, que
deixam o povo morrer à míngua nas filas dos hospitais.
A fraude tem a idade do país.
Não é por acaso que as suspeitas de fabricação do remédio
Androcur recaem sobre a mais
antiga farmácia de São Paulo,
a Ao Veado D'Ouro.
Mas os laboratórios estão
apoiando a reeleição do presidente da República. Dando dinheiro para ver se escapam dos
rigores da fiscalização que se
insinua. É a fraude eleitoral.
Aliás, o certificado "ISO
9002", atestado internacional
de eficiência e qualidade para
empresas, devia ser dado aos
falsificadores de tudo por aqui.
Para piorar, o próprio ministro do TSE (Tribunal Superior
Eleitoral), Ilmar Galvão, veio a
público domingo último declarar sua inclinação pela vitória
de FHC. Como é que pode? Como é que ninguém se escandaliza mais com nada?
E-mailmfelinto@uol.com.br
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