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SAÚDE
Coordenador fala em quebrar patentes para manter acesso universal aos remédios; negociação causou insolvência
Governo vê colapso em programa de Aids
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O coordenador de DST/Aids do
Ministério da Saúde, Pedro Chequer, prevê um colapso na distribuição gratuita de medicamentos
contra a doença no ano que vem e
diz que o país iniciará a produção
nacional de remédios hoje importados. Ou seja, quebrará patentes
(licenciamento compulsório) ou
iniciará a produção com a colaboração dos laboratórios (licenciamento voluntário).
Na última sexta-feira, Chequer
afirmou que a política das gestões
anteriores, centrada na negociação de preços, é responsável pela
situação de "quase insolvência"
do programa.
O país tem o maior programa
de distribuição gratuita e universal de remédios contra a Aids do
mundo, com um total de 15 drogas disponíveis. Hoje, 151 mil pessoas estão em tratamento a um
custo que deve chegar a R$ 600
milhões neste ano. Cerca de 80%
do orçamento é gasto com os remédios importados.
Conhecido por ter uma posição
mais radical quando o assunto é
negociação com laboratórios farmacêuticos, Chequer afirma que
os preços praticados pelas empresas são abusivos e que a legislação
que dificulta o acesso universal
aos remédios está a serviço de "interesses escusos".
No passado, o ministério já falou em quebrar patentes e em ter
capacidade para a produção nacional das drogas importadas,
mas o discurso foi utilizado apenas para barganhar com as empresas multinacionais. "Estamos
avançando numa situação tal que
não vamos estar simplesmente
tentando informar que temos
condições [de produzir] para reduzir preço. Até porque entendemos que essa posição é um suicídio. Nós não estamos trabalhando nessa linha no sentido de barganha ou de ameaça", completa.
A quebra imediata das patentes
é o coro das ONGs que defendem
os portadores do HIV no dia
mundial de combate à doença,
comemorado na próxima quarta-feira. "Negociar não serve mais",
afirma Michel Lotrowska, representante da campanha de acesso a
medicamentos essenciais da Médicos Sem Fronteiras.
Folha - Como está a negociação
com os laboratórios?
Pedro Chequer - O problema é
que as multinacionais colocam os
preços de modo exorbitante, já
com o objetivo de criar a falsa
idéia que nós conseguimos economizar. A negociação de preços
é importante, até porque temos
de pensar no orçamento imediato, mas a médio e longo prazo não
representa aquilo que se entende
como interesse nacional na auto-suficiência. Por que isso? Se tomarmos 1998 e 1999 como referência, em torno de 50% do orçamento do Brasil para medicamentos contra a Aids era para remédios importados. Hoje, 2004,
situação essa que se agrava mais
ainda em 2005, estamos gastando
80% do orçamento em compras
das multinacionais. Isso significa
que, a curto prazo, mantida a
atual situação do Brasil de apenas
produzir o que não está sob patente, nós vamos comprometer
seriamente a capacidade de o país
manter a política de acesso universal. Mantida a atual situação,
no ano que vem talvez alcancemos 90% ou 85%. Cada vez mais,
nós estamos utilizando menos o
medicamento produzido no Brasil, até porque, à medida que novas drogas entram, as antigas
caem em desuso. E aí significa o
quê? Que o Brasil vai ser refém da
indústria multinacional, e aí a negociação é outra. Na medida que
está refém e não tem capacidade
para produzir, o preço define
quem vende. Temos de apostar na
redução de preços, mas não como
única alternativa, até porque apenas essa política quase nos levou a
uma situação de insolvência numa perspectiva imediata para o
próximo ano. É decisão fortalecer
os laboratórios estatais, fazer parcerias com a indústria nacional
privada, de repente pode ser algo
como a PPP [parceria público privada] da área farmacêutica. Sem
isso, não tenha dúvida de que nós
vamos entrar em colapso em breve. Em breve.
Folha - O que foi feito até agora?
Chequer - A partir de agosto estivemos com o Lafepe [laboratório
público de Pernambuco], a indústria privada nacional e o BNDES
[Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. Chegamos à conclusão de que há condições técnicas hoje, a curto prazo, de avançarmos na produção
de novos medicamentos.
Folha - Quais medicamentos serão produzidos?
Chequer - Não seria prudente informar. De três a cinco. Avançaremos nesse sentido, seguindo as
normas da OMC [Organização
Mundial do Comércio], mas, acima de tudo, considerando o interesse nacional de garantir que o
paciente de Aids tenha o acesso.
Nenhuma lei internacional pode
estar acima ou sobrepor o compromisso ético de assistir nossa
população. Se existe essa lei, ela
está a serviço de interesses econômicos escusos.
Folha - No ano passado já houve
menção de que se poderia produzir, mas nada aconteceu.
Chequer - Estamos avançando
numa situação tal que não vamos
simplesmente tentar informar
que temos condições [de produzir] para reduzir preço. Até porque entendemos que essa posição
seja um suicídio. Não estamos
trabalhando nessa linha no sentido de barganha ou de ameaça, e
sim no sentido consistente de o
país implantar nova politica de
anti-retrovirais que seja sustentável e que garanta no futuro que o
Brasil mantenha sua política de
acesso universal
Folha - Vai haver licenciamento
compulsório [quebra de patente
sem a concordância da empresa]?
Chequer - Bem, havendo necessidade, sim. O país caminhará
nessa linha, e há um entendimento muito claro em relação a essa
questão. Porque de repente podemos ter uma situação em que as
empresas façam voluntariamente. Mas que não nos venham com
licenciamento que seja apenas
barganha de postergar a decisão
de ser auto-suficiente.
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