São Paulo, segunda-feira, 29 de novembro de 2004

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Para Bicudo, comodismo explica arquivamento

DA REPORTAGEM LOCAL

Promotor que liderou, na década de 70, o combate ao Esquadrão da Morte, grupo de extermínio formado por policiais, o ex-deputado e vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, não poupa seus ex-colegas de Ministério Público.
Segundo ele, o número de pedidos de arquivamento revela "comodismo" dos promotores. Autor da lei que transferiu os homicídios dolosos cometidos por PMs para a Justiça comum, ele também se diz "frustrado" com os resultados da pesquisa.

Folha - Por que o senhor acha que os promotores pedem o arquivamento da grande maioria dos casos, como revela a pesquisa?
Hélio Bicudo -
Por desconhecimento, porque ele não atuou no inquérito, e comodismo. Você pede o arquivamento e o juiz, também por comodismo, arquiva.

Folha - Também não é por compartilhar de uma mentalidade de que o suposto bandido pode morrer em qualquer circunstância?
Bicudo -
Pode ser que tenham alguns juízes e promotores com esse tipo de mentalidade, de que lugar de bandido é no caixão. Mas não podemos generalizar. É mais uma questão de comodismo e má ciência do caso. Aliás, quando eu fiz a investigação sobre o Esquadrão da Morte, uma das coisas que eu notei foi exatamente isso. Os inquéritos feitos pela Polícia Civil, porque os fatos eram praticados por policiais civis, vinham preparados e o promotor, com volume de serviço bastante razoável, pedia o arquivamento.

Folha - Então, isso não é um fenômeno novo?
Bicudo -
É um fenômeno já antigo que se escora, busca se acomodar através dessa vontade que a gente tem de não trabalhar.

Folha - Preguiça?
Bicudo -
Exatamente. O sujeito pensa: "o inquérito deve estar certo, arquive-se".

Folha - Mas as posições dos IPMs e dos promotores coincidem em 85% dos casos. Não é muito para se explicar só com comodismo?
Bicudo -
É comodismo, falta de conhecimento e também é essa mentalidade de que os policiais são os sentinelas da ordem e que bandido é bandido, que eu acho que não é muito generalizada. Para você não concordar com aquilo que está no inquérito, seja civil ou militar, você precisa ler o documento, precisa estudar.

Folha - O senhor, ao receber dados como os dessa pesquisa, não se sente um pouco frustrado?
Bicudo -
Bastante frustrado. Porque trabalhamos a vida inteira para que isso não ocorresse, e continua ocorrendo. Os dados revelam impunidade. Era mais ou menos o que acontecia quando eu investiguei o esquadrão.

Folha - De lá para cá, as coisas mudaram?
Bicudo -
Acho que pouca coisa, ou quase nada ou piorou. Talvez o esquadrão, como um organismo formalizado dentro da Polícia Civil, acho que não acontece mais. Mas eu acho que a polícia, como um todo, atua nesse sentido da eliminação.

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