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MOACYR SCLIAR
Ano Novo, vida nova
A dona-de-casa Maria do Socorro
Teixeira Moreira não tem certeza da
data de nascimento de seu filho mais
velho. O menino não tem uma certidão de nascimento; na comunidade
em que vivem (Caucaia, região metropolitana de Fortaleza), é comum
a demora no registro. Maria não registrou o filho porque o pai deste não
quis reconhecer a paternidade.
Cotidiano, 18.dez.2003
Ele nunca soube a data
exata de seu nascimento. Interrogou a mãe várias vezes a respeito, mas, por mais que ela se esforçasse, não conseguia lembrar.
Tinha memória fraca, em primeiro lugar. E depois, eram muitos filhos, muita coisa em que pensar.
Simplesmente não recordava. O
que o deixava muito triste: eu sou
o único cara no mundo que não
tem data de aniversário, pensava.
Um dia, porém, tomou uma decisão, uma decisão que a ele próprio surpreendeu pela audácia:
arranjaria para si próprio um dia
para o seu aniversário. Já que
ninguém sabia quando ele havia
nascido, esta data agora seria estabelecida pelo grande interessado, ele mesmo.
E seria uma grande data. Uma
data da qual as pessoas não esqueceriam mais, senão por outra
razão, então pelo fato de que essa
data marcaria também algum
evento notável. Primeiro pensou
numa celebração religiosa, como
a Páscoa. Mas isso gerava dois tipos de problema: a Páscoa é uma
festa móvel, e não são todas as
pessoas que a celebram, o que, para quem queria unanimidade,
era um obstáculo. Depois pensou
em algo marcante na história da
humanidade: a chegada do homem à Lua. De novo, isso era problemático: se uma nova expedição lunar tivesse êxito, a experiência precursora ficaria relegada para um segundo plano.
E alguma coisa da história do
Brasil? O Dia da Independência,
por exemplo? Mais uma vez viu
nisso um potencial de controvérsia. Algum vizinho metido a besta
poderia achar que ele pretendia
uma associação com a heróica figura do príncipe Dom Pedro, o
que, para um garoto de periferia,
seria demasiada pretensão. Melhor evitar comentários ofensivos.
Àquela altura já estava quase
desistindo de ter uma data natalícia. Mas, recentemente, algo lhe
ocorreu, uma idéia luminosa,
abençoada.
Primeiro de janeiro. Esse é agora o dia de seu aniversário. Um
dia que o mundo todo celebra.
Cada vez que os foguetes espoucarem no ar, estarão saudando o
seu nascimento. Cada vez que as
pessoas brindarem, estarão brindando também por sua felicidade. Porque o Ano Novo é para todos. Mesmo para aqueles que não
sabem em que dia nasceram.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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