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LIXO
Para engenheira que implantou projeto na gestão petista em BH, a Prefeitura de São Paulo não se mostra mobilizada
"Coleta seletiva só sai com vontade política"
Fabiana Beltramin/Folha Imagem
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A engenheira Heliana Kátia Campos, ao lado de um cartaz da campanha Criança no Lixo Nunca Mais |
MARIANA VIVEIROS
ENVIADA ESPECIAL A CAXIAS DO SUL (RS)
Falta de vontade política e lentidão no sistema de contratação são
algumas das explicações para a
demora da implantação da coleta
seletiva em São Paulo, promessa
de campanha da prefeita Marta
Suplicy (PT) que, depois de dois
anos, ainda não saiu do papel.
O diagnóstico é da engenheira
civil e sanitarista Heliana Kátia
Campos, 47, membro da coordenação nacional do Fórum Lixo e
Cidadania, ex-superintendente
de limpeza pública de Belo Horizonte (MG) e responsável, lá, pela
primeira coleta seletiva feita por
catadores de lixo -modelo que
São Paulo tenta adotar.
"Demoramos seis meses para
inaugurar o primeiro galpão",
conta ela, que atuou na gestão do
petista Patrus Ananias (93-96). A
seguir, trechos da entrevista que
deu à Folha no 1º Congresso Latino-Americano de Catadores de
Materiais Recicláveis, em 20/1.
Folha - A coleta seletiva deve ficar nas mãos dos catadores?
Helena Kátia Campos - No entendimento do Fórum Nacional Lixo
e Cidadania, sim. E achamos que
o catador deveria até ser pago por
isso. Porque, além de coletar e
transportar, ele não destina o lixo
de forma errada, mas o reinsere
na indústria. Isso significa mais
emprego na produção e não explorar novas matérias-primas.
Folha - No Brasil, onde a coleta
seletiva com catadores funciona?
Campos - Nesses moldes, a cidade que tem a coleta seletiva mais
ampliada é Porto Alegre [RS". Lá,
a cobertura é maior, e a frequência, semanal. Há nove galpões de
catadores e já estão sendo instaladas duas unidades para beneficiar
o plástico. Mas, em termos de
compreensão do papel dos catadores, Belo Horizonte ainda é melhor, e a Asmare [Associação dos
Catadores de Papel, Papelão e
Material Reciclável" é um modelo.
Folha - Por quê?
Campos - Eles são todos alfabetizados. Para entrar na Asmare é
preciso fazer um curso de 15 dias,
há um estatuto e normas a seguir.
Folha - Por que a coleta seletiva
ainda não saiu em São Paulo?
Campos - Eu tenho acompanhado os decretos no sentido de
apoiar as associações de catadores, mas parece que é outra maré.
É um grupinho querendo uma
coisa, e toda a administração querendo outra. A coleta seletiva com
o catador não passa só por uma
parceriazinha, é uma campanha
em toda a cidade. Tem de haver
uma mudança de cultura da prefeitura que envolva todas as áreas.
Precisa de uma vontade política
grande do governo. Se for um
projeto só da assistência social ou
da limpeza urbana, não funciona.
Folha - Como foi a implantação
do projeto em Belo Horizonte?
Campos - Em seis meses, alugamos um galpão de 3.200 m2 para
colocar os catadores e tiramos todos eles do centro. Eu tinha um
tempo político, mas os catadores
não queriam ir porque desconfiavam. Fomos lá, pegamos o material deles, levamos para o galpão e
dissemos: "Se vocês não forem, o
problema é de vocês". Eles foram.
Folha - Por que em São Paulo é
tão difícil fazer o mesmo?
Campos - A cidade não tem uma
limpeza urbana estruturada. O
Limpurb [Departamento de Limpeza Urbana" não tem 300 funcionários, então não há estrutura para criar, programar, amar a cidade e cobrar dos empresários. A cidade tinha de ter, no mínimo, 500
fiscais [tem pouco mais de cem".
Outro problema é que o Limpurb
é da administração direta, quando deveria ser uma autarquia ou
empresa municipal. Hoje, precisa
passar por todo um processo burocrático, de contratação e licitação, o que é um grande atraso.
Folha - Qual a receita do sucesso
de Belo Horizonte?
Campos - Vontade política e
apoio da Pastoral da Rua no dia-a-dia dos catadores.
Folha - Quanto representa a coleta seletiva hoje na capital mineira?
Campos - Cerca de 6% [em São
Paulo é de 0,03%", o que é pouco.
Folha - Como superar as resistências aos catadores?
Campos - Quando é dado espaço
e, na prática, as coisas acontecem,
eles vão conquistando seu lugar.
Se o poder público e as ONGs o
colocam como o grande agente da
coleta seletiva, a pessoa humilde
que está dando um excelente benefício ambiental para a cidade,
ele próprio vai se sentir valorizado e passar a ser respeitado.
Folha - Como sensibilizar as pessoas para a necessidade de separação do lixo para a coleta seletiva?
Campos - A mudança de hábito é
muito difícil. As pessoas dizem
que é simples fazer a separação,
mas não é. Então, são necessárias
campanhas e mais campanhas:
no metrô, na escola, na novela, no
filme. É isso que quero trabalhar
agora com o Ministério das Cidades: mudança de cultura.
Folha - E o poder público dá o
bom exemplo?
Campos - O Palácio do Planalto
faz a coleta seletiva e doa para
uma associação de catadores. A
nossa idéia é estender isso a todos
os ministérios. Mas eu queria
uma grande campanha nacional,
com o Lula dizendo que manda o
lixo dele para a reciclagem, com
um grande nome que abraçasse
essa causa, só não sei ainda quem.
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