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São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 2003

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LIXO

Para engenheira que implantou projeto na gestão petista em BH, a Prefeitura de São Paulo não se mostra mobilizada

"Coleta seletiva só sai com vontade política"

Fabiana Beltramin/Folha Imagem
A engenheira Heliana Kátia Campos, ao lado de um cartaz da campanha Criança no Lixo Nunca Mais


MARIANA VIVEIROS
ENVIADA ESPECIAL A CAXIAS DO SUL (RS)

Falta de vontade política e lentidão no sistema de contratação são algumas das explicações para a demora da implantação da coleta seletiva em São Paulo, promessa de campanha da prefeita Marta Suplicy (PT) que, depois de dois anos, ainda não saiu do papel.
O diagnóstico é da engenheira civil e sanitarista Heliana Kátia Campos, 47, membro da coordenação nacional do Fórum Lixo e Cidadania, ex-superintendente de limpeza pública de Belo Horizonte (MG) e responsável, lá, pela primeira coleta seletiva feita por catadores de lixo -modelo que São Paulo tenta adotar.
"Demoramos seis meses para inaugurar o primeiro galpão", conta ela, que atuou na gestão do petista Patrus Ananias (93-96). A seguir, trechos da entrevista que deu à Folha no 1º Congresso Latino-Americano de Catadores de Materiais Recicláveis, em 20/1.

Folha - A coleta seletiva deve ficar nas mãos dos catadores?
Helena Kátia Campos -
No entendimento do Fórum Nacional Lixo e Cidadania, sim. E achamos que o catador deveria até ser pago por isso. Porque, além de coletar e transportar, ele não destina o lixo de forma errada, mas o reinsere na indústria. Isso significa mais emprego na produção e não explorar novas matérias-primas.

Folha - No Brasil, onde a coleta seletiva com catadores funciona?
Campos -
Nesses moldes, a cidade que tem a coleta seletiva mais ampliada é Porto Alegre [RS". Lá, a cobertura é maior, e a frequência, semanal. Há nove galpões de catadores e já estão sendo instaladas duas unidades para beneficiar o plástico. Mas, em termos de compreensão do papel dos catadores, Belo Horizonte ainda é melhor, e a Asmare [Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável" é um modelo.

Folha - Por quê?
Campos -
Eles são todos alfabetizados. Para entrar na Asmare é preciso fazer um curso de 15 dias, há um estatuto e normas a seguir.

Folha - Por que a coleta seletiva ainda não saiu em São Paulo?
Campos -
Eu tenho acompanhado os decretos no sentido de apoiar as associações de catadores, mas parece que é outra maré. É um grupinho querendo uma coisa, e toda a administração querendo outra. A coleta seletiva com o catador não passa só por uma parceriazinha, é uma campanha em toda a cidade. Tem de haver uma mudança de cultura da prefeitura que envolva todas as áreas. Precisa de uma vontade política grande do governo. Se for um projeto só da assistência social ou da limpeza urbana, não funciona.

Folha - Como foi a implantação do projeto em Belo Horizonte?
Campos -
Em seis meses, alugamos um galpão de 3.200 m2 para colocar os catadores e tiramos todos eles do centro. Eu tinha um tempo político, mas os catadores não queriam ir porque desconfiavam. Fomos lá, pegamos o material deles, levamos para o galpão e dissemos: "Se vocês não forem, o problema é de vocês". Eles foram.

Folha - Por que em São Paulo é tão difícil fazer o mesmo?
Campos -
A cidade não tem uma limpeza urbana estruturada. O Limpurb [Departamento de Limpeza Urbana" não tem 300 funcionários, então não há estrutura para criar, programar, amar a cidade e cobrar dos empresários. A cidade tinha de ter, no mínimo, 500 fiscais [tem pouco mais de cem". Outro problema é que o Limpurb é da administração direta, quando deveria ser uma autarquia ou empresa municipal. Hoje, precisa passar por todo um processo burocrático, de contratação e licitação, o que é um grande atraso.

Folha - Qual a receita do sucesso de Belo Horizonte?
Campos -
Vontade política e apoio da Pastoral da Rua no dia-a-dia dos catadores.

Folha - Quanto representa a coleta seletiva hoje na capital mineira?
Campos -
Cerca de 6% [em São Paulo é de 0,03%", o que é pouco.

Folha - Como superar as resistências aos catadores?
Campos -
Quando é dado espaço e, na prática, as coisas acontecem, eles vão conquistando seu lugar. Se o poder público e as ONGs o colocam como o grande agente da coleta seletiva, a pessoa humilde que está dando um excelente benefício ambiental para a cidade, ele próprio vai se sentir valorizado e passar a ser respeitado.

Folha - Como sensibilizar as pessoas para a necessidade de separação do lixo para a coleta seletiva?
Campos -
A mudança de hábito é muito difícil. As pessoas dizem que é simples fazer a separação, mas não é. Então, são necessárias campanhas e mais campanhas: no metrô, na escola, na novela, no filme. É isso que quero trabalhar agora com o Ministério das Cidades: mudança de cultura.

Folha - E o poder público dá o bom exemplo?
Campos -
O Palácio do Planalto faz a coleta seletiva e doa para uma associação de catadores. A nossa idéia é estender isso a todos os ministérios. Mas eu queria uma grande campanha nacional, com o Lula dizendo que manda o lixo dele para a reciclagem, com um grande nome que abraçasse essa causa, só não sei ainda quem.


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