São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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CARNAVAL

Embora a diferença no orçamento das escolas de samba chegue a milhões de reais, processo de criação é similar

Verba não assegura resultado na avenida

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

O Carnaval do Rio fica a cada ano mais rico, mas muito dinheiro nem sempre determina o resultado do desfile ou é condição para um efeito que agrada o público.
Exemplos recentes não faltam. Um deles é o título da Estácio de Sá em 1992. A escola, que hoje está no terceiro grupo, deixou a Mocidade, campeã de 1991, em segundo lugar. No ano passado, a história se repetiu: a Mangueira, cujo orçamento é um dos maiores do Grupo Especial, e a Unidos da Tijuca, que tem menos recursos, empataram em segundo lugar. A Tijuca levou o vice-campeonato por ter melhores notas em evolução -quesito de desempate.
Com o patrocínio da Petrobras e da Eletrobrás, a Estação Primeira gastará R$ 4,5 milhões e conta com 300 trabalhadores para produzir o desfile deste ano. A escola da Tijuca tem um orçamento de R$ 2,4 milhões (igual ao do ano passado) e 100 empregados e colaboradores. Em 2004, a Mangueira desembolsou R$ 4 milhões.
As principais diferenças entre uma escola com mais recursos e outra menos abastada surgem na escolha dos materiais utilizados e no número de profissionais envolvidos. O quanto é gasto não altera, porém, o processo de criação, sempre muito parecido em todas as agremiações.
Da idéia inicial do carnavalesco à materialização de um desfile, uma escola de samba percorre um longo percurso. Tudo começa com a escolha do tema, atribuição, em geral, a cargo do carnavalesco. Para desenvolver o "embrião" do desfile, o carnavalesco precisa de vários "insumos": boa pesquisa que levante informações e imagens do assunto, equipe afinada e com gente suficiente para aprontar tudo a tempo, uma escola organizada e, claro, dinheiro para alegorias e fantasias.
Escolhido o tema e feita a pesquisa que o fundamenta, os carnavalescos começam a preparar a sinopse do enredo -texto que sintetiza suas idéias e serve de base para a composição dos sambas.
Max Lopes, carnavalesco da Mangueira, diz que pensa primeiro nas cores que usará no desfile, antes mesmo de escrever a sinopse. A partir dessa escolha, cria fantasias e alegorias. Neste ano, ele abordará a energia, retratando desde os quatro elementos básicos (água, terra, fogo e ar) até as energias positiva e negativa.
Para Paulo Barros, da Tijuca, a sinopse é "secundária". Primeiro, ele seleciona as melhores imagens da pesquisa para, a partir delas, estruturar as alas e os carros que utilizará no desfile.
Mas há carnavalescos que valorizam muito o texto. Neste ano, a carnavalesca Rosa Magalhães, da Imperatriz, fez sua sinopse sobre os autores infantis Hans Christian Andersen e Monteiro Lobato no formato de um cordel, facilitando o trabalho dos compositores.
A Tijuca, por sua vez, levará à Sapucaí lugares imaginários e míticos/religiosos, como Oz, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Castelo do Drácula, purgatório etc. Para dar unidade a coisas tão distintas, Barros procurou um "fio condutor". Elegeu para o "cargo" Dom Quixote, personagem criado por Cervantes e que completa 400 anos em 2005.
Em 2004, Barros fez o mesmo: a máquina do tempo "orientou" o público no enredo sobre ciência. O carnavalesco, que fez a sensação do desfile de 2004 com o carro do DNA (uma pirâmide humana), diz que a idéia do enredo surgiu do livro "Dicionários de Lugares Imaginários", que ganhou de um amigo. Neste carnaval, diz, os carros também estarão repletos de pessoas -247 só no abre-alas.
Da sinopse à execução, os primeiros passos são os croquis e as plantas de carros alegóricos, além dos protótipos das fantasias. Depois, começa o trabalho no barracão -onde são feitas as esculturas, estrutura, decoração e pintura dos carros- e dos ateliês, nos quais costureiras dão forma a fantasias, adereços e sapatos.
Neste ano, a Mangueira, que subcontrata sete ateliês, inovará com 70% de seus integrantes calçando tênis, em vez de sandálias.
Paralelamente, os sambas são selecionados na quadra da escola, geralmente por concurso -embora o presidente/patrono da agremiação muitas vezes interfira e até proclame o vencedor. A cada fim de semana há uma eliminatória. O samba-enredo é escolhido em setembro ou outubro, quando começam os ensaios semanais.
Em janeiro, os aderecistas dão o acabamento nos carros e as últimas fantasias são feitas.

Dinheiro farto
Presidente da Mangueira, Álvaro Caetano reconhece que hoje a escola é bem estruturada e que, por isso, consegue fazer um Carnaval farto em recursos. Ele diz que neste ano o desfile "high-tech" projetado por Max Lopes fez subir os custos do desfile, com mais investimentos em iluminação e decoração em neon (sete dos oito carros terão o material).
Já Barros, um adepto de materiais pouco convencionais e contrário ao uso excessivo de plumas, privilegiará mais uma vez soluções simples e baratas. Levará à avenida alegorias feitas com bolinhas de plástico, espuma e tecido.

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