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COPO CHEIO
Especialista norte-americano afirma que o Brasil desperdiça recursos devido à política em relação à bebida
Governo não é confiável para conter álcool, diz cientista
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
A comunidade científica está
desapontada com o governo brasileiro, diz um dos principais especialistas em políticas públicas
para o controle do álcool, o cientista político norte-americano
Robert Reynolds. Ele esteve no
país na última semana para uma
série de encontros sobre como desenvolver estratégias contra o
lobby da indústria.
Na contramão do que provam
os estudos científicos, o país foi
um dos que recentemente se posicionou contra uma proposta levada à Organização Mundial da
Saúde (OMS) de sobretaxar as bebidas alcoólicas como forma de
combater o consumo abusivo.
Ajudou a fazer a idéia a cair por
terra, uma vez que ela nem foi levada à votação.
Aumentar o preço da bebida é
uma maneira comprovada de diminuir o consumo, especialmente entre bebedores pesados e jovens, os grupos mais vulneráveis.
"O governo não tem sido um
parceiro confiável", afirma Ronaldo Laranjeira, líder da Aliança
Cidadã pelo Controle do Álcool,
grupo que ciceroneou Reynolds
no Brasil e está revoltado com a
posição brasileira.
"Não só no Brasil, a indústria de
bebidas tem sido subsidiada pelos
governos", afirmou Reynolds,
que é diretor do Centro para Análises Políticas e Treinamento, órgão financiado pelo governo norte-americano especializado em
traduzir o que a ciência sabe sobre
prevenção em políticas públicas.
A seguir, trechos da entrevista
concedida pelo especialista à Folha na última sexta-feira, acompanhada por Laranjeira.
Folha - O que o senhor achou da
posição do governo brasileiro?
Robert Reynolds - Eu não estou
dando palpites na política brasileira, mas posso dizer que o que
sabemos é que em todos os países,
não só no Brasil, a indústria de bebidas tem sido subsidiada pelos
governos. O preço do álcool deveria refletir o seu custo social. O álcool é subtaxado. Sim, a indústria
gera impostos, mas cria uma série
de problemas. Se você olha somente o quanto a indústria paga
em taxas, você está vendo apenas
um lado da história. Nos EUA, para cada US$ 1 (R$ 2,65) que entra
em impostos pagos pela indústria
há outros US$ 9 (R$ 23,90) em
custo social -em serviços de saúde, perda de produtividade, desagregação de famílias. Os países
têm diferentes decisões sobre
quais indústrias subsidiar. Nos
EUA nós subsidiamos as companhias aéreas porque elas nos dão
aeroportos e meios de transporte.
Então a decisão sobre isso no Brasil é uma decisão dos brasileiros.
Mas o impacto econômico é bem
claro. E vocês têm bebidas incrivelmente baratas, eu nunca estive
em um país em que a cerveja é
cinco vezes mais cara do que a
pinga. E o álcool mais perigoso é o
que tem o preço menor. Isso gera
um tremendo impacto no desenvolvimento econômico do Brasil.
O álcool não está contribuindo
para o desenvolvimento econômico, ele custa muito. São os brasileiros que têm de decidir. Mas o
voto do Brasil na OMS chamou a
atenção da comunidade da saúde
pública em todo o mundo. Estamos realmente desapontados.
Folha - O lobby feito pela indústria do setor é muito forte. Eles têm
escritórios trabalhando só nisso no
Congresso.
Reynolds - Eu acredito no poder
da palavra. Aceito que o interesse
econômico tenha um discurso. O
problema é que os que defendem
os interesses da saúde pública não
têm falado o suficiente. Somente
um lado da história é dito. É essencial que a saúde pública, comunidades religiosas e todos os
cidadão falem mais. Eles não devem deixar que a indústria seja a
única voz.
Folha - Como dar início a uma estratégia nacional?
Reynolds - O governo que tem
mais responsabilidade para que
isso comece é aquele que está
mais próximo das pessoas.
Folha - São Paulo tem uma lei para que bares fechem a 1h, mas não
funciona. O que fazer em uma
grande cidade?
Reynolds - Você não pode ter
um tipo de política que funcione
para todas as áreas da cidade. Se
há um bar numa área residencial
criando muito barulho e desordem, faz sentido pedir que fechem mais cedo. Mas se você tem
uma área de entretenimento, você
precisa de uma política diferente,
específica para o problema. Não
há uma resposta simples, mas a
análise não é complicada.
Ronaldo Laranjeira - As poucas
leis que existem não são implementadas e São Paulo paga um
preço alto. Necessita de uma política clara sobre o beber e dirigir, as
vendas para menores e regular o
mercado. Os bares que quisessem
vender bebidas 24h deveriam pagar uma licença mais cara, teríamos recursos para a prevenção.
Folha - O senhor acha que a polêmica em torno do suposto hábito
de beber do presidente Lula contribui para que o álcool seja um assunto tabu no governo?
Reynolds - Eu não acho que a
política de nenhum país é determinada por um indivíduo sozinho. O Brasil tem uma tremenda
influência no mundo, e uma política formal do Brasil é muito importante. Penso que mais importante do que os brasileiros pensam. Quando o Brasil vota num
encontro, esse voto ecoa. A questão é que isso não é só um problema do Brasil, é uma questão da
OMS, é a 3ª principal causa de
morte [evitável] no mundo. Nós
temos uma tradição, e o Brasil
precisa criar novas tradições. Por
exemplo, houve um plano central
para a estratégia contra a Aids, alguém pagou por esse plano, e não
há agora ninguém desenvolvendo
um plano estratégico para reduzir
os problemas do álcool, apesar
das evidências. Eu estou aqui por
causa de seu potencial, vocês têm
um potencial maior de contribuir
para a saúde pública do que grande parte dos países.
Folha - A indústria faz esforços
contra o beber e dirigir, investe em
informação ao público.
Reynolds - As coisas que a indústria patrocina são populares,
mas ineficazes. Tudo o que fazem
foca em decisões individuais, não
em desenvolvimento de políticas.
Eu posso educar você para sempre [sobre não dirigir após beber],
mas depois de duas caipirinhas
você não pode fazer uma boa decisão porque você dorme, a parte
do seu cérebro que foi "educada"
dorme. Querem parecer interessados em prevenção e ter certeza
de que não perderão seus lucros.
Como posso chegar em casa? Se
eu bebo dois drinques, eu não
lembro que não posso dirigir! É
simplesmente estúpido! Se eles
estão comprometidos com a prevenção, que dêem o dinheiro para
o governo, que decidirá como
gastá-lo. Não é que sejam pessoas
más. É a natureza de seu produto.
Se você tem cem pessoas que começam a beber, 15 serão alcoólatras. Isso garante uma renda para
o resto da vida à indústria. Eles
não lucram com o beber socialmente, mas com o vício.
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