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GILBERTO DIMENSTEIN
Quando a volta às aulas é um alívio
Para um punhado de adolescentes, a volta às aulas, neste
ano, significa não o sofrimento
pelo fim das férias, mas um momento especial em suas vidas. Eles
estão não apenas aliviados mas,
sobretudo, orgulhosos de pisar de
novo na escola.
Essa é a história de um grupo de
jovens que aprendeu, na marra, a
fazer história. É dos bons exemplos que conheço do valor do conhecimento e merece um estudo
de caso das pessoas preocupadas
em melhorar a educação no Brasil.
No final do ano passado, eles foram informados de que a escola
pública em que estudavam, no
bairro da Vila Nova Conceição,
em São Paulo, chamada Martim
Francisco, seria demolida. No seu
lugar, surgiria um empreendimento imobiliário. Seriam transferidos para um prédio situado
nas redondezas. A escola funcionava ali havia 66 anos.
Pais, alunos e professores tinham poucas semanas para reagir. O negócio andava tão rapidamente que a prefeitura chegou a
desconsiderar um parecer de sua
assessoria jurídica que recomendava que a transação não fosse
realizada.
Os estudantes começaram a fazer manifestações quando a cidade já estava envolvida nas festas
de fim de ano. Já de férias, foram à
Câmara Municipal, na esperança
de sensibilizar os vereadores para
que barrassem a demolição da escola. Na galeria, durante as votações, comportaram-se com a mesma emoção de quem torce por um
time de futebol em final de campeonato.
Não adiantou.
A maioria dos vereadores virou
as costas para as galerias. A transação fora aprovada, sancionada
pela prefeitura no dia 29 de dezembro. A empresa que adquiriu
o imóvel cercou a Martim Francisco e esperava-se a sua demolição a qualquer momento.
Se muitas palavras do rito legislativo já eram estranhas para
aqueles estudantes, mais incompreensíveis ainda eram os termos
jurídicos, como "liminar" ou "medida cautelar". Aprenderam rapidamente sobre o papel de um promotor público.
Advogados advertiam o grupo
de pais, alunos e professores de
que, mesmo obtendo uma suspensão temporária da demolição, a
batalha seria muito difícil. Afinal,
a transação fora aprovada e devidamente sancionada na Câmara
Municipal.
O grupo não desistiu e, em novas
manifestações, tentou chamar a
atenção do novo governo municipal, o que também não seria algo
fácil. Com a cidade atolada em dívidas, as enchentes invadindo as
ruas, não era de esperar que uma
escola conseguisse entrar na agenda de início de mandato da prefeitura.
A essa altura, porém, o movimento de resistência tinha sensibilizado entidades de defesa da
educação, meios de comunicação,
vereadores, associações comunitárias. Os estudantes não estavam
mais sozinhos. Conseguiu-se, na
Justiça, adiar por 72 horas a desocupação da escola.
Nesse tempo, a assessoria jurídica da prefeitura coletou uma série
de documentos e de avaliações
imobiliárias sobre a transação.
Daí veio a decisão oficial de tentar
desfazer o negócio pela via judicial.
Para dar um toque ainda mais
singular a esse movimento, que tinha tudo para ser derrotado, a decisão de desfazer o negócio ocorreu em janeiro, quando a cidade
completa 451 anos, nascida exatamente numa escola. É como se fosse uma comemoração involuntária das origens de uma comunidade que vive sufocada pela violência porque, entre outras razões, as
pessoas não reverenciam o ensino
público.
O que falta é que pais, alunos e
professores lutem pela educação
como aqueles adolescentes lutaram para que sua escola não fosse
demolida.
As aulas voltam à Martim Francisco, mas a batalha não terminou. A questão permanece na Justiça. Os estudantes podem perder.
Uma derrota, no entanto, destruirá não apenas um prédio mas um
símbolo.
Afinal, aqueles adolescentes,
sem saber, fizeram história.
PS - Esse caso nem de longe é um
problema paulistano. É antes um
caso de tecnologia social a ser estudado pelos educadores de norte
a sul do país. O dia em que conseguirmos fazer com que pais, alunos e professores defendam uma
escola pública como se ela fosse
deles próprios, uma extensão de
sua casa, a melhoria da educação
será inevitável.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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