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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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CRIME ORGANIZADO

Para o superintendente da PF no Rio, Marcelo Itagiba, produtores escalam "representantes comerciais" no Brasil

Facção criminosa age como cooperativa

DA SUCURSAL DO RIO

Inexiste um cartel no negócio das drogas ilícitas no país. As facções criminosas do Rio agem como cooperativas. Os produtores colombianos, peruanos e bolivianos escalam ""representantes comerciais" no Brasil.
As opiniões são do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Marcelo Itagiba, 47. Antes, Itagiba chefiou na PF o combate ao narcotráfico em São Paulo e coordenou o setor de inteligência da organização.
(MÁRIO MAGALHÃES)

Folha - Existe uma holding do narcotráfico no Brasil?
Marcelo Itagiba -
Na Colômbia havia os chamados cartéis, de Cali e Medellín. O nome indicava: havia uma cartelização da comercialização da cocaína. Eram os grandes atacadistas de cocaína.
Esse conceito não existe mais. Hoje na Colômbia há os chamados cartelitos -uma rapaziada mais jovem, mais envolvida com as questões de informática, sistemas bancários internacionais.

Folha - E no Brasil?
Itagiba -
A droga é uma commodity. Existem vários especuladores dessa commodity, que são os cartelitos. Eles precisam comercializar o produto. Vão elegendo representantes comerciais em determinadas áreas. Se há concentração da representação comercial do produto numa região, fica mais fácil estabelecer uma relação de confiança de venda e pagamento. Tem de quem cobrar, objetivamente, em vez de pulverizar em diversos pontos. Há pessoas que são, digamos, representantes comerciais no Brasil dos produtos que vêm de fora.

Folha - Portanto não haveria cartel, uma empresa-mãe.
Itagiba -
No Brasil não existe um cartel de distribuição de drogas. O que há são vários representantes comerciais, pessoas que se utilizam das rotas e meios de transporte do antigo contrabando.
Nos países produtores existem os produtores, os que comercializam, os transportadores. Depois [da época" dos cartéis, há especialização por área. Os distribuidores no Brasil se unem na compra da mercadoria, o que não quer dizer que tenham estrutura formal e hierarquizada.

Folha - E as organizações criminosas que controlam o tráfico nas favelas do Rio?
Itagiba -
No Rio, as facções criminosas são, vamos dizer assim, cooperativas. São grupos que cooperam na mesma atividade, embora não necessariamente exista uma chefia formal dessa estrutura. Os que trazem a cocaína são os chamados matutos. Há uma série de matutos, de transportadores do produto para pessoas no Rio que representam os interesses comerciais desses cartelitos estrangeiros. São pessoas que estabeleceram uma relação comercial de confiança de pagamento com essas estruturas formais lá de fora.

Folha - O que está mudando no mercado de drogas ilícitas?
Itagiba -
Daqui a uns 15 anos as drogas provenientes da natureza [como a cocaína" vão se tornar cult. Porque ainda são provenientes da natureza, embora manipuladas pelo homem de forma indevida. Em vez de nós termos a droga que vai do Terceiro Mundo para o Primeiro Mundo, nós vamos ter um boom de drogas sintéticas. A direção será invertida. Principalmente na classe média e alta, será a droga que estará presente.

Folha - Há várias interpretações sobre o caos promovido por traficantes no Rio antes do Carnaval. O senhor acha que foi uma demonstração de força ou de fraqueza?
Itagiba -
Houve dois momentos [de pânico na cidade provocado por traficantes": antes das eleições e agora. São testes [feitos pelos traficantes" da sua capacidade de aglutinação, movimentação e arregimentação, a fim de provocar nas autoridades públicas receio e buscar negociação. Querem criar um clima de comoção na busca de um canal de negociação.

Folha - Mesmo uma facção criminosa, como o Comando Vermelho, que tem entre os líderes Fernandinho Beira-Mar, tem mais de um fornecedor?
Itagiba -
Acredito que exista mais de um sujeito com esse papel. Há matutos que fazem a distribuição. O que talvez Fernandinho seja é uma espécie de garantidor da transação.

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