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URBANIDADE
Os párias de São Paulo
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Na sua primeira viagem à
Índia, em 2001, o engenheiro José Vidal ficou especialmente
impressionado com os párias, a
categoria mais desprezada no
sistema de castas, desprovida de
direitos políticos e religiosos. Os
párias nem sequer podem andar
de cabeça erguida; na maioria
das vezes, estão agachados, maltrapilhos. "Nunca tinha visto
antes seres humanos com aspecto tão animalesco."
Aquelas imagens de humilhação inspiraram um dos mais sofisticados projetos para a cidade
de São Paulo hoje em discussão:
transformar a "cracolândia"
num pólo de tecnologia da informação. Essa inspiração deve-se
a uma caminhada de Vidal pela
região, onde viu crianças e adolescentes usando crack. "Novamente vi seres humanos com jeito de animais."
Vidal já estava na direção do
ITS (Instituto de Tecnologia de
Software de São Paulo) e conhecia experiências de recuperação
de áreas urbanas com a criação
de pólos de tecnologia: Barcelona, Montréal ou Recife, por
exemplo. Redigiu um plano tirando proveito do fato de que a
rua Santa Ifigênia, centro de
produtos eletroeletrônicos, fica
no coração da "cracolândia".
Prédios degradados passariam,
depois de reformados, a abrigar
programas de formação profissional, escolas de informática e
centros de pesquisa, incubadoras
para a produção de software e
hardware.
Por causa de sua complexidade, a proposta parecia condenada a ser tão abandonada como
os párias da Índia. Nas últimas
semanas, porém, parece ter sido
recuperada graças a uma confluência de forças. Para tirar a
droga do bairro, a prefeitura
quer atrair empreendimentos
para a "cracolândia". Sabendo
disso, o deputado federal Júlio
Seneguini, ex-presidente do ITS
e ex-dirigente da Prodesp (a empresa de processamento de dados do Estado de São Paulo), levou o projeto de criação do pólo
a José Serra, que gostou da idéia
e mandou analisar sua viabilidade. A poucas quadras dali, a
movimentação entusiasmou a
Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, onde existe um
grupo que reúne universidades,
empresas e centros de pesquisa
voltados para o estímulo à fabricação de produtos de informática.
Talvez a idéia nem saia do papel, mas já não é encarada como
algo tão exótico como os párias
hindus, que jamais imaginariam, na sua barbárie cultural,
virar fonte de inspiração tecnológica.
@ - gdimen@uol.com.br
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